Capítulo
retirado do livro de Eammon Butler, disponível aqui.
Como
muitas das cruciais introspecções da teoria da Escolha Pública, a ideia de “rentismo”1 foi
esboçada, em primeiro lugar, em 1967 por Gordon Tullock, embora a frase em si
tenha sido cunhada por Anne Krueger alguns anos mais tarde.
A maior
das pessoas pensa numa renda como um pagamento
feito a um dono de uma terra ou de outros recursos – sem o dono ter necessariamente que trabalhar para tal. Os
economistas têm uma definição mais técnica, que define uma renda económica como
o retorno que excede os níveis normais
em concorrência; mas a linha de pensamento comum, de certa forma, sumariza
a essência do “rentismo”.
Em
situações de mercado, um fornecedor que
não enfrente concorrência, por exemplo, o único merceeiro da aldeia – pode
cobrar preços mais altos (e fornecer um serviço pior) do que um que a enfrente.
Mas esses altos lucros atraem a atenção
de outros potenciais merceeiros, que estão livres de abrir uma loja e competir
com o original. O resultado de tal concorrência é que o antigo monopolista tem que cortar nos preços e melhorar os serviços
para se manter no negócio.
Nas situações políticas, as coisas são bem
diferentes. As oportunidades de fazer
lucros em excesso só ocorrem quando as autoridades políticas as criam, tornando
difícil ou impossível a novos entrantes no mercado aparecerem e concorrerem.
Um bom exemplo é a regulação dos táxis de Nova Iorque, que limitaram fortemente
o seu número para 13.000 – que é menos de metade dos que operavam mesmo durante
os anos da Grande Depressão. Como a nova
concorrência é tornada fora-da-lei, os taxistas fazem mais dinheiro e os
nova-iorquinos pagam mais e esperam mais tempo por táxis, do que normalmente
fariam. Uma licença de táxi em Nova Iorque mudou recentemente de mãos por 1
milhão de dólares, assim ilustrando o tamanho das rendas que estão agora a ser protegidas.
Normalmente, os governos atribuem a si mesmos
monopólios através da provisão de serviços como a educação e correios. Nos tempos antigos, os monarcas atribuíam à sua corte e aos
seus amigos monopólios explícitos de bens como sabão, velas, amido, papel e
vinho doce. As coisas hoje em dia são
mais subtis, mas o licenciamento governamental de profissões (tais como
contabilistas, dentistas e mesmo cabeleireiros e manicures), juntamente com
quotas e taxas sobre bens importados e normas de planeamento para o uso de
terra, servem para reduzir e atrofiar a concorrência, providenciando lucros
monopolistas – “rendas” – aos vários grupos preferidos.
O
engodo do rentismo
O “rentismo” é a tentativa de grupos
particulares de persuadir o governo a atribuir-lhes esse tipo de monopólios
valiosos ou privilégios legais. Se
o seu “rentismo” for bem-sucedido, tais benefícios podem acrescentar uma
transferência substancial de riqueza do público geral para esses grupos
privilegiados.
Tullock
notou que os potenciais ganhos de um
“rentismo” bem-sucedido são, de facto, tão substanciais que faz todo o sentido
para os grupos perderem bastante tempo, esforço e dinheiro em tentar
capturá-los. Pode valer milhares de milhões à indústria automóvel se,
por exemplo, conseguirem persuadir os legisladores a impor taxas ou quotas
sobre as importações de carros estrangeiros. Não deve, pois, ser surpresa que estejam dispostos a gastar milhões ao
fazer “lobby” para conseguirem precisamente esse resultado.
Mas
como Tullock reparou, toda esta
dispendiosa actividade de “lobby” é improdutiva e uma pura perda para a
economia. O tempo, esforço,
dinheiro, aptidões e actividades empreendedoras de muitas pessoas talentosas
são aqui desperdiçadas. A actividade
“rentista” não produz nada de valor para a comunidade. Tudo o que faz é determinar que privilégios monopolistas serão
atribuídos aos grupos de interesse.
A
observação de Tullock que os grupos
“rentistas” irão gastar – ou em termos da comunidade como um todo, desperdiçar
– recursos enormes em tentar inclinar a legislação em seu favor apareceu como
um rude golpe para as ideias da “economia de bem-estar” vindas do “mainstream”
da profissão económica. Eles acreditavam
que as escolhas colectivas poderiam corrigir “falhas de mercado” e promover o
bem-estar geral; mas pensaram pouco nos processos de decisão colectiva no mundo
real e assumiram que a política seria feita por funcionários públicos
iluminados, de forma racional no interesse comum. A introspecção de
Tullock tornou claro, no entanto, que longe
do processo de política pública ser superior ao mercado, o “rentismo” distorce
massivamente as decisões públicas e, consequentemente, distorce os mercados e
reduz a concorrência de formas que beneficiam certos grupos, mas que prejudicam
substancialmente a comunidade geral.
Custos
e distorções
São muitas as formas como o “rentismo” impõe
custos sobre as outras pessoas.
Suponha, por exemplo, que uma indústria
de alta tecnologia faça “lobby” bem-sucedido por benefícios fiscais sobre
investigação e desenvolvimento. A ideia pode ser apresentada como uma forma de
manter o país na liderança tecnológica, estimulando o desenvolvimento de novos
produtos de alta tecnologia que pessoas noutros países quererão comprar. E
pode, de facto, ter algum desse efeito.
Mas, da mesma forma, pode tornar apenas mais
barato às empresas fazer a investigação que fariam de qualquer forma. Os
benefícios fiscais também distorcem o sistema fiscal, atraindo recursos e
desenvolvimento e afastando-os de outros lugares – lugares onde esses recursos
poderiam eventualmente ser usados de forma mais produtiva. A expectativa de
impostos mais baixos também induz as empresas a classificar como “investigação
e desenvolvimento”, actividades que na verdade não o são, apenas para
conseguirem os benefícios.
Entretanto,
o facto de o Tesouro não estar a
recolher receitas dessas actividades, significa que, para manter os seus níveis
de despesa, o governo terá que conseguir dinheiro noutros sítios. Os impostos de outras pessoas terão, então,
que aumentar. E isto não é apenas mau
para elas: taxas mais altas de impostos também encorajam mais pessoas a (legalmente)
evitar ou (ilegalmente) evadirem-se aos impostos. E quanto mais altas as taxas de imposto, mais as pessoas irão lutar por
“brechas” e concessões fiscais especiais para eles próprios. Se forem bem-sucedidos, isso distorce ainda
mais a actividade económica, tirando recursos dos serviços ao consumidor para a
evasão fiscal, repetindo – de novo – o mesmo ciclo.
Ocorrem problemas semelhantes quando grupos
pressionam de forma bem-sucedida para subsídios – digamos, para a produção de
biocombustível. De novo, isso traz mais actividade económica à produção de
biocombustível. A procura adicional por cereais que podem ser transformados em
combustível aumenta o seu preço, e o preço da comida sobe, aumentando os custos
de vida, que afecta mais duramente os mais pobres. Mais uma vez os custos são
dispersos e opacos; e os benefícios concentrados em grupos de interesse
particulares com proveitos bem definidos.
Ou, mais uma vez, os grupos podem procurar
beneficiar-se a si próprios através do sistema do Estado Social. Se,
por exemplo, há subsídios para famílias de rendimentos de baixo nível, aqueles
imediatamente acima desse nível podem ficar bem melhores se lutarem para
aumentar esse nível. Outros podem querer ficar pior – ou aparentar estar pior
do que realmente estão – para se qualificarem.
Contar
os custos
Como o
prémio Nobel da Economia Milton Friedman notou, construir uma fábrica
provavelmente acrescenta à riqueza pública: comprar um “medalhão” de um táxi de
Nova Iorque, não. E quanto maior o
tamanho do sector público, ou quão mais complicadas as estruturas fiscais e
regulatórias, maiores as oportunidades para o “rentismo” e maior se torna então
esta perda potencial.
Empresas, indivíduos e grupos provavelmente
estão preparados para investir quase tanto no “rentismo”, quanto o valor da
renda que conseguirão se forem bem-sucedidos.
O “rentismo” tem um custo que retira
recursos de outras partes da economia – envolvendo frequentemente pessoas
articuladas, educadas e produtivas. Como resultado deste custo, assim como da perda de bem-estar económico do
“rentismo” bem-sucedido, o custo total da actividade pode crescer até ser
enorme. Um estudo do início dos anos 2000, estimou a despesa dos grupos
de interesse norte-americanos em “rentismo”, em vários milhares de milhões de
dólares. E outra coisa que se junta à conta é que o “rentismo” é um jogo, que pode ou não ter retorno: e como
muitos jogadores, os “rentistas” na
verdade acabam a gastar mais no esforço do que conseguem de volta, mesmo quando
são bem-sucedidos.
O custo financeiro que o “rentismo” impõe
no resto do público tem também outro efeito corrosivo. Se as pessoas se
apercebem de que os seus ganhos, poupanças e capital ganhos com o suor do seu
trabalho, podem ser-lhes arrancados (em impostos ou serviços monopolistas) por
rentistas, estarão menos dispostas a trabalhar duro e poupar. Investirão menos na criação de riqueza,
as empresas ficarão esfomeadas por financiamento, a produção será menor e, mais
uma vez, o bem-estar geral ficará pior.
Custos
Políticos
O “rentismo” também corrompe o processo
político. A expectativa de extrair grandes benefícios através do “rentismo”
encoraja grupos a trocarem votos e apoio de forma a que isso aconteça.
O profundo interesse que os “rentistas” têm
nas concessões que os irão beneficiar, e o tempo e energia que estão preparados
em investir para as capturar, ajuda a explicar porque é que o “lobby” é uma
indústria tão grande e porque é que os políticos acabam a atribuir tantos
monopólios, regulações e concessões. Também explica porque é que tais privilégios
tendem a manter-se muito depois de ser perfeitamente óbvio que são
inapropriados e ineficientes, e que é precisa uma reforma.
Quanto maior o poder do Estado, mais
oportunidades há para “rentismo” e maior é o poder dos políticos, enquanto os
grupos de interesse lhes fazem “lobby” em troca de favores. Os políticos
ganham, não só pelo status que vem com o poder de garantir privilégios a
“rentistas” que lhes fazem “lobby”, mas também pela sua capacidade de ameaçar
os outros com regras adversas. Ocasionalmente
este poder conduz a uma total corrupção, com os políticos e funcionários a
atribuir privilégios especiais a grupos de interesse particulares em troca de
dinheiro ou favores pessoais, e a colocar obstáculos legais no caminho daqueles
que não os apoiam.
Os enormes ganhos potenciais do “rentismo”,
tanto para “rentistas” como para políticos, e o desequilíbrio entre o interesse
concentrado da minoria que ganha e a impotência da maioria do público, podem
fazer-nos pensar porque é que o “rentismo” não se tornou endémico nos sistemas
democráticos. Infelizmente, a evidência é que provavelmente se tornou.
Referências
1. ↑ Nota do Tradutor:
O termo em inglês é “rent-seeking, mas preferimos usar o termo em português
que é usado pelos meios de comunicação e comentadores.
Fonte:
http://mises.org.pt/2014/12/afinal-o-que-e-que-e-o-rentismo/
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