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terça-feira, 4 de agosto de 2015

Jornalista narra ditadura pelo ponto de vista de agentes militares ("Crítica Radical")

Evento promovido pelo coletivo "Crítica Radical"
Fotos: Paulo Holanda, Clovis Renato e Sandra

Nesta segunda-feira, Marcelo Godoy lança em Fortaleza o livro A Casa da Vovó, que traz passagens inéditas da ditadura militar no Brasil
Dez anos de pesquisa e entrevistas resultaram em um livro que reconta um capítulo sombrio da história brasileira a partir de um novo ângulo. A obra A Casa da Vovó, do jornalista Marcelo Godoy, traz recortes inéditos do regime militar brasileiro, do ponto de vista de agentes do DOI-Codi, unidade operacional que tinha a função de “neutralizar inimigos” e combater guerrilhas.
Clovis Renato destaca o caso da ADPF 320 no STF e a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIHD) 
Em Fortaleza, o lançamento do livro será hoje, às 18h30, na sede da Adufc, no Benfica. A iniciativa de trazer o autor à Capital foi do grupo Crítica Radical. Em entrevista ao O POVO, Godoy dá detalhes do processo de produção da narrativa de histórias do centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar.
Jorge Paiva apresenta a obra
OPOVO - Qual o significado do nome do livro?
Marcelo Godoy - “Casa da Vovó” era como os agentes se referiam ao DOI-Codi. Era uma alusão, lá que era bom, você pode fazer tudo.
OP - Como surgiu a ideia desse livro?
Godoy - Um colega me convenceu que a gente podia fazer pesquisa histórica mesmo trabalhando como jornalista. Mais ou menos nessa época, surgiu na minha cabeça a ideia de que havia muito sobre a Polícia Civil e o Exército (na época do regime militar), mas pouco sobre a Polícia Militar. Até que um coronel da PM me disse que conhecia um cara que havia trabalhado no DOI-Codi e eu resolvi entrevistá-lo. No final, se tornou uma pesquisa sobre esse centro de tortura, mais que a PM em si.
OP - Quais os maiores desafios dessa pesquisa?
Godoy - Todo o primeiro contato com os agentes era difícil. O mais difícil era se apresentar para as pessoas de uma maneira que eles acreditassem que eu não estava ali para denunciá-las. Não sou justiceiro, apenas um jornalista que queria ouvir a história deles. Eu fui sabendo que compreender não significa aceitar. Acho que esse primeiro contato era complicado.
OP - Como foi lidar com os detalhes violentos?
Godoy - Não importava o que eu pensava. O importante era deixar as pessoas falarem, sem julgamentos. Busquei a neutralidade até no vocabulário. Num primeiro momento era preciso encorajá-los a falar. Por mais que me causasse repulsa ou eu ficasse afetado pelos depoimentos, eu tinha que pensar que estava diante de pessoas que haviam concordado em falar. Eu tinha em mente as práticas da comissão da verdade da África do Sul. Os agentes do apartheid que contaram o que sabiam receberam o perdão.
OP - Os nomes que você usa no livro são verdadeiros? Quantos dos entrevistados morreram antes da publicação?
Godoy - Dois eu sei que morreram. Outros eu não mantive mais contato. Alguns dos nomes dos que faleceram eram verdadeiros.Outros só o codinome, enquanto estiveram vivos. E esse acordo foi cumprido por respeito à fonte. Alguns não pediram nada. Outros nem o nome de guerra queriam que usasse. Dois me pediram nomes fictícios. Dependia muito do entrevistado.
OP - Durante as entrevistas, você percebeu arrependimento neles pelas práticas violentas?
Godoy - Há duas formas de lidar com o passado quando se trata de uma guerra: ou a pessoa esquece ou tenta justificar seus atos. Numa guerra, você é cruel e mata pessoas. A maior parte dos entrevistados achava estava numa guerra. Eles desenvolveram essas consequências psicológicas de alguém que vai para guerra. Em nenhum deles, vi arrependimento. Lamentam o que aconteceu: as mortes, os sequestros e a tortura. Mas mesmo os que lamentam acham que fizeram o que tinha que ser feito. É difícil o cara acordar de manhã e saber que é um criminoso. Ele busca justificar o que fez.
OP - Pela sua análise do passado, o Brasil ainda pode viver um novo golpe militar?
Godoy - Creio que não, por várias razões. Uma delas, são fatores internos dentro das forças armadas. Há o fato que, depois da Constituição de 1988, o Exército só pode intervir se chamado por um dos três poderes. Não vejo disposição nos oficiais, embora muitos não concordem com esse governo, sejam conservadores, eles são muito profissionais, cumprem a lei e são legalistas. Os militares não vão fazer nada.
OP - O que você aprendeu sobre a corporação?
Godoy - A PM passou por uma transformação profunda naqueles anos: do aquartelamento para o patrulhamento das ruas. Depois, partiu para um policiamento das ruas de forma militarizada. Há pontos positivos e negativos. Por um lado, o militarismo controla os homens que andam armados, isso é bom. Mas quando eles veem o criminoso como um inimigo isso é uma herança ruim. Ainda hoje, a PM busca aprimoramento e entender que tem que defender a comunidade, não o governo ou o Estado. (Isabel Filgueiras)
Frases
HÁ DUAS FORMAS DE LIDAR COM O PASSADO QUANDO SE TRATA DE UMA GUERRA: OU A PESSOA ESQUECE OU TENTA JUSTIFICAR SEUS ATOS”

O MAIS DIFÍCIL ERA SE APRESENTAR PARA AS PESSOAS DE UMA MANEIRA QUE ELAS ACREDITASSEM QUE EU NÃO ESTAVA ALI PARA DENUNCIÁ-LAS PELO PASSADO”
POR MAIS QUE ME CAUSASSE REPULSA OU EU FICASSE AFETADO PELOS DEPOIMENTOS, EU TINHA QUE PENSAR QUE ESTAVA DIANTE DE PESSOAS QUE HAVIAM CONCORDADO EM FALAR”
Marcelo Godoy, jornalista e autor do livro A Casa da Vovó

Serviço
Lançamento de A Casa da Vovó, de Marcelo Godoy
Quando: 3/8/2015, às 18h30
Onde: Sede da Adufc
Avenida da Universidade, 2346 - Benfica
Produção: Coletivo Crítica Radical
Fotos: Paulo Holanda / Clovis Renato

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2015/08/03/noticiasjornalpolitica,3478322/jornalista-narra-ditadura-pelo-ponto-de-vista-de-agentes-militares.shtml

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