As merendeiras e os professores do Piauí, que
recebiam menos de um salário mínimo nos 1990, ganharam na Justiça indenização
de R$ 400 milhões do governo local. Mas um grupo de advogados, liderado por
Marcus Vinícius Coelho, que nem sequer atuou no caso, estava faturando - e
antes de muitos dos trabalhadores - R$ 108 milhões desse total; a corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça considerou irregulares os honorários dos
advogados e mandou suspender os pagamentos
Cada vez
mais candidato a ministro do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coelho, atuou para que um
grupo de advogados do Piauí descolasse honorários superlativos - e, segundo a
corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, irregulares - num processo de R$
400 milhões. Os R$ 400 milhões
constituem uma dívida reconhecida pelo governo do Piauí a professores e
merendeiras da rede pública do ensino, como forma de compensação por algo
básico que eles não tiveram durante um período da década de 1990: ganhar um
salário mínimo.
São 11.401 beneficiários que, ao contrário dos
advogados, não ficarão milionários com o pagamento da dívida. A média de
pagamento, para os sindicalizados, é de pouco mais de R$ 30 mil - alguns
beneficiários vão levar anos até receber o dinheiro. ÉPOCA teve acesso à
decisão de um processo sigiloso do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, que
considerou irregular a manobra para o pagamento dos honorários advocatícios. Marcus Vinícius nem
sequer foi advogado no processo pelo qual ele ganhou os honorários. Foi, na
verdade, advogado dos advogados.
A disputa envolve o Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí e sucessivas decisões
judiciais, contra e a favor dos advogados. Tudo começou em 2006, quando os advogados Luciano Paes e Robertônio
Pessoa entraram na Justiça para receber seus honorários pelo caso. Acontece
que, na hora de entrar com o pedido no Tribunal de Justiça, os advogados não
advogaram em causa própria. Preferiram contratar Marcus Vinícius Furtado
Coelho. E foi assim que o atual presidente da OAB entrou no processo, mesmo sem
ser advogado do sindicato.
Inconformada, uma das sindicalizadas, uma
professora aposentada, recorreu ao CNJ em março de 2013. Os honorários já
estavam sendo pagos. Em parecer de novembro de 2013 apresentado à Justiça do
Piauí, o Ministério Público foi contrário aos pagamentos milionários. O MP
falou em “prejuízos irreparáveis”. “O quantum de 27% sobre o valor da
condenação apresenta-se fora dos preceitos da lei e da ética, por cobrar
valores abusivos e ilegais. A cobrança de
honorários advocatícios deve atender aos princípios norteadores da atividade
advocatícia e ao respeito aos clientes. A lei protege expressamente o direito
do advogado, mas também protege o patrocinado”, afirmaram os promotores.
Em agosto do
ano passado, o ministro Francisco Falcão, então corregedor do Conselho Nacional
de Justiça, viu problemas semelhantes aos apontados pelo MP do Piauí. E elencou quatro irregularidades nos
pagamentos dos honorários dos advogados, determinando a suspensão dos repasses.
Até aquele momento, segundo Falcão, os advogados
já tinham recebido R$ 6 milhões. ÉPOCA descobriu que, entre março e julho de
2013, o governo do Piauí pagou R$ 3.698.377,98 aos advogados. Desse montante, a conta no Banco do Brasil do escritório
Furtado Coelho, pertencente a Marcus Vinícius, recebeu R$ 407.802,60. Os
advogados receberam seis parcelar dos precatórios até a decisão da corregedoria
do CNJ. No total, os valores seriam pagos em 144 meses.
Na decisão, o corregedor do CNJ afirmou que os
honorários não poderiam ter sido calculados e bancados com os R$ 400 milhões.
“A cobrança de honorários contratuais, independente do percentual aplicado,
afronta à própria natureza dos sindicatos”, disse Falcão. Se o dinheiro fosse pago pelo sindicato, e
não pelos sindicalizados, os honorários advocatícios sofreriam uma enorme
redução. Isso porque o sindicato recebe apenas 1% do total - ou R$ 4 milhões.
Com os sindicalizados pagando, os advogados recebem 27% dos precatórios (R$ 108
milhões) ao longo dos anos.
Francisco
Falcão também pôs em dúvida a legitimidade da assembleia do sindicato que
decidiu sobre os honorários. “O desconto de 27% a título de honorários
foi autorizado em assembleia convocada para tratar de assuntos de forma
genérica, e pouco ou quase nada representativa, do qual participaram apenas 283
sindicalizados, do total de 25 mil profissionais de educação”, disse.
No CNJ, a questão não se resume aos pagamentos. Cabe ao Conselho também apurar a conduta
de magistrados. O ministro Francisco Falcão levantou suspeitas sobre o
desembargador Luiz Gonzaga Brandão, do Tribunal de Justiça do Piauí, autor das
ordens de pagamento aos advogados. Falcão determinou que uma correição fosse
feita na área de precatórios do tribunal, em que a dívida de R$ 400 milhões foi
tratada. Na prática, Brandão
descumpriu uma ordem anterior da Justiça, que havia determinado que, até que
fosse resolvido o impasse com os honorários, os valores deveriam ser reservados
numa conta judicial. Brandão, contudo, determinou, numa decisão administrativa,
que os depósitos fossem feitos nas contas dos advogados - incluindo Marcus
Vinícius. "Descumprindo ordem judicial, determinou a liberação dos
honorários reservados em favor dos advogados beneficiários", escreveu o
ministro na decisão.
Além dessa
irregularidade, a decisão do CNJ apontou
ainda que Brandão nem sequer poderia ter atuado na liberação dos precatórios. O
motivo é simples. O desembargador se declarou suspeito para julgar o processo,
mas não se viu impedido de determinar administrativamente os pagamentos aos
honorários. Brandão admitiu ao CNJ
ser amigo do pai de um dos advogados, embora tenha dito que isso não fez
diferença na hora de determinar os pagamentos milionários. “Afora a atuação
atípica do desembargador Brandão, pesa ainda sobre o magistrado a suspeição
declarada na fase judicial, afastada na fase administrativa”, disse Falcão.
Em nota, o presidente da OAB afirmou que foi
contratado para defender os advogados que atuaram em nome do sindicato, mas que
não haviam recebido honorários. "O escritório Furtado Coêlho Advogados
Associados foi contratado pelos advogados em 2005 para entrar com uma ação na
Justiça para receber os honorários a que tinham direito. Em 2007, o Tribunal de
Justiça do Piauí determinou este pagamento. Em acordo firmado em 2010 com o
sindicato, os advogados abriram mão de receber os honorários sobre os
pagamentos futuros dos professores, restringindo o pagamento aos atrasados."
Perguntado
sobre quanto recebeu, Furtado Coelho não falou em cifras. "Os honorários do escritório Furtado Coêlho Advogados Associados
equivalem a 2,43% do total a ser recebido pelos advogados. É importante
ressaltar que este percentual não aumentou em nada o total dos honorários pagos
aos advogados”. Marcus Vinícius, portanto, ainda teria que receber cerca de R$
2,2 milhões em honorários.
O presidente da OAB minimizou a decisão da
corregedoria do CNJ. "O Conselho Nacional de Justiça não tomou nenhuma
decisão sobre este caso. O que houve foi uma determinação individual e isolada
do corregedor, mas que não foi levada a plenário. De acordo com o regimento do CNJ, artigo 99, qualquer decisão
individual do relator (neste caso o corregedor), 'será submetida a referendo do
Plenário na primeira sessão ordinária seguinte', o que não ocorreu”, disse
em nota.
Segundo Geovane Machado, assessor jurídico do
sindicato, a assembleia questionada pelo CNJ foi uma maneira de agilizar os
pagamentos dos precatórios. “Houve essa celeuma toda e na assembleia foi dado
aval para o sindicato negociar o pagamento dos honorários no recebimento do
precatório, em 27%”,
disse. “Marcus Vinícius é advogado dos
ex-advogados. Ele teve um percentual em cima dos honorários dos advogados, é um
honorário contratual entre advogados”, completou. Geovane Machado disse
ainda que os advogados atuaram em favor
dos professores, para que os valores depositados fossem isentos de imposto de
renda. O desembargador Luiz Gonzaga Brandão não respondeu as perguntas enviadas
à assessoria de imprensa do tribunal.
Fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/02/presidente-da-oab-bembolsou-honorarios-irregularmenteb-diz-cnj.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário