Quem é a
classe trabalhadora de hoje?
Recentemente
foi lançada a edição nº 07 da revista Margem Esquerda, publicação da Boitempo
Editorial. A revista traz um artigo instigante do professor da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), Ricardo Antunes. Com o título Afinal, quem
é a classe trabalhadora hoje?, Antunes observa que estamos diante de uma nova morfologia da classe trabalhadora,
"hoje um conjunto muito ampliado que compreende o operariado industrial, o
trabalhador rural assalariado, os assalariados de serviços (como, por
exemplo, a operadora que trabalha no telemarketing), os digitadores de bancos,
os trabalhadores que atendem os caixas eletrônicos dos supermercados e os
desempregados também".
Estivemos no
lançamento da revista Margem Esquerda (a revista http://www.boitempo.com/), na Faculdade
de História da USP (Universidade de São Paulo), onde entrevistamos o professor
Ricardo Antunes (foto).
Debate
Sindical - Afinal, quem é a classe trabalhadora hoje?
Ricardo
Antunes - A classe trabalhadora hoje é
um conjunto muito ampliado que compreende o operariado industrial, o
trabalhador rural assalariado, os assalariados de serviços, como, por
exemplo, a operadora que trabalha no telemarketing, os homens e mulheres que
trabalham nos supermercados, essa massa de trabalhadores que trabalham nos bancos
como digitadores. A classe trabalhadora hoje tem uma nova morfologia. Ela tem o proletariado industrial produtivo,
que é o seu núcleo central. Esse proletariado não é mais aquele proletariado estável da era taylorista e fordista
(Mais sobre o tema: http://globalization.sites.uol.com.br/toyotism.htm), mas ele é terceirizado, ele é precarizado. Você
entra dentro da Volkswagen de Resende
(RJ) e tem 1.500 trabalhadores, todos são terceirizados. Todos. Não tem nenhum ligado diretamente à
Volkswagen. Eles são ligados aos consórcios modulares. Essa é a classe trabalhadora hoje. E ela inclui
também o desempregado. Porque o desempregado
é conseqüência do desemprego estrutural, que resulta dessa lógica destrutiva do
capital. Então, o
desempregado não é desempregado porque ele quer. Ele é desempregado pelo
capital. Ele é parte do que o
Marx chamava de exército industrial de reserva.
Nós podemos
discutir a validade ou não da noção de exército industrial de reserva hoje. Eu
penso que essa noção ainda é válida, mas é um debate. O que era um exército industrial menor, hoje é um exército monumental
de reserva. Esta é a classe trabalhadora. Esta é a nova morfologia. Então,
por exemplo, os motoboys. Eles são parte da classe trabalhadora. Só que nós
estamos desafiados a entender que numa nova morfologia da classe trabalhadora significa nova morfologia das lutas sociais
também. Por isso nós temos as
greves, que são lutas tradicionais; mas temos o movimento dos trabalhadores
piqueteiros da Argentina que corta as grandes estradas impedindo a circulação
de mercadoria.
Esta é a
classe trabalhadora hoje. São todos aqueles, como eu chamo e com hífem, a classe-que-vive-do-trabalho. São todos aqueles que dependem da venda da
sua força do trabalho para sobreviver. São os assalariados, que não é novidade
nenhuma. Essa discussão é do Marx e do Engels.
Debate
Sindical - E quem é o sindicato que
representa essa classe trabalhadora?
Ricardo Antunes - Por um lado é aquele sindicato
tradicional.
Por exemplo, o sindicato dos metalúrgicos representa a categoria metalúrgica; o
sindicato dos bancários, os bancários. Agora telemarketing, terceirizados estão
desafiados a encontrarem os seus mecanismos de defesa. No caso da Argentina, por exemplo, criou-se o
Movimento Social dos Trabalhadores Desempregados. Mas há também na Argentina sindicatos que têm um lado voltado para a
organização dos desempregados. Esse é o desafio de criar organismos de representação que sejam sindicais ou
sociais para defender esse conjunto de trabalhadores. Por exemplo, já há
sindicatos de motoboys no Brasil. Quando você compra uma pizza ou sanduíche por
telefone é o motoboy que vai levar. O talão de cheque é o motoboy que vai
levar. As mercadorias que dão materialidade à circulação do capital, muitas
delas são os motoboys que levam. Eles são parte da classe trabalhadora. Atuam
na esfera da circulação de mercadorias, e não na produção.
Por isso tem
o segundo debate: a classe trabalhadora para mim
supõe um conceito amplo de trabalho, não inclui quem não vende a força de
trabalho, é só quem vende a força de trabalho; mas ela compreende o trabalhador
produtivo e o trabalhador improdutivo, no sentido dado pelo Marx.
Debate
Sindical - É ainda uma classe
revolucionária?
Ricardo Antunes - É claro. Eu diria a classe trabalhadora é contingencialmente presa à
imediatidade e potencialmente revolucionária. Contingencialmente, ela responde às questões do aqui e agora.
Porém ela tem a potência. E o movimento
dos trabalhadores da França, há três semanas, mostrou que quando eles saem
às ruas muda, muda o mundo. Agora é claro, a revolução do Século XXI é um
processo mais complexo do que a revolução dos séculos XX e XIX.
Debate
Sindical - Já que estamos falando no futuro do trabalhador, qual é o futuro do capital?
Ricardo Antunes - Acabar com a humanidade, é uma
possibilidade.
A lógica destrutiva levada ao limite
pode eliminar a humanidade. Basta
pensar na política belicista da guerra permanente. O segundo futuro da
humanidade implica em eliminar o capital. Então o futuro do capital da nossa
perspectiva é a sua extinção. A humanidade só pode sobreviver
com dignidade e emancipação sem o capital. Então, o desafio nosso é tornar o capital
inexistente. Esse é o empreendimento do século XXI. E alguém vai dizer mas isso
é impossível, deixa o (Francis) Fukuyama (Quem é -
http://en.wikipedia.org/wiki/Francis_Fukuyama e http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29838.shtml)
dizer que é impossível. A nós não cabe
pensar na impossibilidade disso, mas pensar nas possibilidades da superação do
capital.
Fonte:
http://www.sasp.org.br/convenios/83-entrevista-com-ricardo-antunes.html
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