por Luiz
Carlos Azenha
O documento
acima é oficialíssimo. Está nas páginas do Senado brasileiro. Leia a linha de
número dois, sob Pago:
R$ 134
bilhões, 53 milhões, 618 mil e 451 reais.
É quanto
você pagou em juros da dívida brasileira em 2012, segundo o governo (mas há
controvérsias, sobre as quais você vai saber abaixo).
Agora leia a
linha de número seis, sob Pago:
R$ 618
bilhões, 888 milhões, 549 mil e 837 reais.
É quanto
você pagou em amortização/refinanciamento da dívida em 2012.
Uma
enormidade, não?
Pois Maria
Lucia Fattorelli acredita que, se houvesse uma auditoria, o valor devido
poderia ter uma redução de até 70%.
Por que? A
ex-auditora da Receita Federal está certa de que existem ilegalidades e
irregularidades nas cobranças da dívida brasileira.
Para
benefício dos banqueiros e prejuízo dos contribuintes.
Escrevo
“contribuintes” porque a dívida é paga com dinheiro de nossos impostos. Tudo o
que o Tesouro brasileiro faz é pendurar a conta em nosso nome: “procura o
gerente” e entrega uma montanha de papéis assumindo que “devo, não nego, pago
quando puder”. Com juros, muitos juros, razão de viver dos bancos.
Aqui, uma
pausa importante: a mídia corporativa não tenta explicar tudo o que você vai
ler e ouvir abaixo aos leitores, ouvintes e telespectadores. Por que? Porque os
bancos são grandes patrocinadores. Por outro lado, mesmo os governos não gostam
de falar do assunto. Quanto mais transparência, menor margem de manobra para os
acertos de bastidores. Por isso, em geral os governos fazem de conta que o
assunto é muito árduo, muito difícil de entender e que você não precisa se
preocupar com isso. Ou seja, deve pagar a ficar quieto.
Mas,
voltemos ao que interessa…
O poder dos
banqueiros sempre foi imenso. Eles definem as regras nas duas pontas: desde as
condições de emissão dos papéis em que prometemos pagar até as regras da
cobrança.
Faturam com
as comissões sobre as transações e com os juros. Juros altos interessam aos
banqueiros. Quanto maiores, mais eles recebem emprestando ao governo.
E os
cidadãos? Pagam a conta através dos impostos e ficam sem os serviços públicos
que o dinheiro dado aos banqueiros poderia financiar. Sem o Metrô, os hospitais
e as creches que o dinheiro gasto em juros poderia financiar.
Sob o peso
da dívida — grosseiramente, R$ 3 trilhões em dívida interna e U$ 400 bilhões em
dívida externa — o governo privatiza. Aliás, “concede”. Entrega parte da
soberania.
Entrega à
iniciativa privada — cujo objetivo principal, como o dos banqueiros, é o lucro
— algo que poderia fazer, possivelmente mais barato, com recursos públicos, se
o dinheiro não fosse usado para pagar ou rolar a dívida e os juros.
Concede
portos e aeroportos. Facilita o acesso a recursos naturais. Em outras palavras,
entrega o ouro.
Maria Lucia
Fattorelli é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, uma entidade que
batalha para que o Brasil faça o mesmo que o Equador fez, em 2007 e 2008.
Aliás, uma experiência sobre a qual Maria Lucia pode falar de cátedra. Ela foi
convidada pelo presidente equatoriano Rafael Correa a fazer parte da CAIC, a
Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública.
Resultado
final? Boa parte da dívida equatoriana era ilegal. Não havia provas, por
exemplo, de que o governo tinha de fato recebido os empréstimos pelos quais
estava pagando. Ao fim e ao cabo, o presidente Correia reconheceu apenas 30% da
dívida. Curiosamente, 95% dos bancos credores do Equador aceitaram fazer acordo
com o governo e renunciaram a qualquer ação nos tribunais internacionais.
O Brasil tem
hoje uma dívida externa de cerca de U$ 440 bilhões. Uma fatia razoável é de
empresas privadas, que tomam dinheiro no Exterior. Mas Maria Lucia está certa
de que a fatia pública desta dívida externa, em caso de auditoria, teria um
cancelamento tão grande quanto a do Equador, dado que condições similares foram
aplicadas ao mesmo tempo nos dois paises por banqueiros internacionais e que,
em 1992, parte da dívida dos dois países prescreveu.
Prescreveu?
Prescreveu e continuamos pagando?
Para
entender melhor, ouça o trecho da entrevista em que Maria Lucia fala a respeito
de seu trabalho no Equador: https://soundcloud.com/azenha/como-foi-a-auditoria-da-d-vida
Primeiro,
nomear os bancos norte-americanos que, através do Banco Central dos Estados
Unidos, o Fed, controlam a taxa de juros que nos é cobrada na dívida externa, a
Prime: Citibank, Chase Manhattan, Goldman Sachs, JP Morgan e Bank of America,
entre outros. Já a Associação dos Banqueiros de Londres tem peso decisivo na
definição da Libor, outra taxa importante no mercado.
A auditora
também prometeu o gráfico abaixo:
A coluna
azul é dos gastos sociais no Equador. A coluna vermelha é a do serviço da
dívida pública. Notem como ela foi invertida nos últimos anos. É óbvio, mas não
custa reafirmar: menos dinheiro pagando juros é mais dinheiro disponível para
gastos sociais e investimento em infraestrutura.
Maria Lucia
acha factível o Brasil fazer o mesmo que o Equador: “Se o Brasil toma uma
iniciativa dessas, ele encoraja outros paises a enfrentar o esquema”. O
“esquema” a que ela se refere é o sistema pelo qual os banqueiros passaram a
capturar fundos públicos para turbinar seu poder no mundo.
No trecho
seguinte da entrevista, ela explica que a origem da dívida interna brasileira,
de quase R$ 3 trilhões, se deu no Plano Real, quando para combater a inflação o
governo de FHC disparou a taxa de juros para atrair dinheiro de fora.
Desde então,
acusa Maria Lucia, o Tesouro brasileiro comete ilegalidade ao emitir dívida
para pagar juros, o que segundo ela é inconstitucional: https://soundcloud.com/azenha/governo-emite-t-tulos-para
Maria Lucia
Fattorelli também teve participação importante na Comissão Parlamentar de
Inquérito da dívida, realizada no Congresso (veja todos os detalhes aqui), que
gerou denúncias enviadas ao Ministério Público Federal.
Na CPI,
algumas informações importantes foram levantadas.
Por exemplo:
quem são os detentores dos títulos da dívida?
“Pessoa
física mesmo quase não aparece no gráfico”, diz ela.
Mais da
metade da dívida está nas mãos dos banqueiros.
Ou seja,
numa ponta eles incentivam o governo a gerar dívida e faturam comissões
vendendo a dívida; noutra, faturam com os juros da dívida. Que bom negócio!!!
Outro
detalhe impressionante diz respeito ao arranjo que existe para a venda dos
títulos brasileiros.
“O Tesouro,
quando emite os títulos, somente um grupo privilegiado de doze instituições
financeiras pode comprar esses títulos. Se eu, você, qualquer brasileiro quiser
nós vamos ter de comprar através de uma corretora, de um intermediário”, conta
Maria Lucia.
São os
chamados “dealers”.
“Olha como o
jogo funciona. O Tesouro emite. Se os juros não estão no patamar que eles
querem, eles não compram. Por isso é que são os ‘dealers’, eles é que mandam.
Antes, eles já se reúnem e já repartem, de tal forma que apenas um, no máximo
dois vão participar de cada leilão, para não ter concorrência! Tudo muito bem
repartido. É um esquema que a gente, quando descobre essas coisas… não é
possível que a finança do País tá desse jeito!”
A lista
acima é a dos “dealers” a que se referiu Maria Lucia.
E como é
definida a taxa Selic, a principal taxa de juros do Brasil? Antes da trigésima
sexta reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, houve uma
consulta a “analistas independentes”.
Você que
está nos lendo e paga a conta, foi consultado?
Ah, lógico
que não.
Veja quem o
BC ouviu, segundo Maria Lucia:
Caraca!,
exclamaria você. Os banqueiros estão em todas as pontas do negócio.
Participam
da emissão da dívida, influem nas taxas de juros e recebem a taxa de juros
sobre a qual influem!!!
Estes são os
motivos pelos quais Maria Lucia Fattorelli acredita num grande abatimento da
dívida brasileira em caso de auditoria: ilegalidades, conflito de interesses e
tráfico de influência, como registrado acima.
Ela faz um
resumo neste trecho da entrevista: https://soundcloud.com/azenha/quem-d-as-cartas-na-venda-dos
Maria Lucia
Fatorelli suspeita que o governo federal esteja fazendo manobras contábeis ao
lidar com a dívida e, no curso delas, viola o artigo 167 da Constituição, que
não permite emissão de dívida para pagamento de juros.
A suspeita
nasceu assim: na tabela que aparece logo abaixo, está dito na linha 2 que o
Brasil pagou R$ 134 bilhões em juros da dívida em 2012. A taxa média de juros
no ano passado, de acordo com o próprio Banco Central, foi de 11,72%.
Mas,
aplicando a taxa ao estoque total da dívida interna e externa — cerca de R$ 3,4
trilhões no início de 2012 — o número deveria ser muito maior!
Nos cálculos
de Maria Lucia, o total de juros pagos em 2012 deveria ter sido de R$ 398
bilhões.
E onde foi
parar a diferença? O gato comeu R$ 264 bilhões em juros?
Na opinião
da auditora, é a prova de que o governo emite títulos para pagar juros.
Com isso,
parte substancial do pagamento de juros acaba na coluna “refinanciamento”.
Salta da
linha 2 para a linha 6:
Maria Lucia
Fattorelli insiste que isso contraria a Constituição.
“Fraude!”,
insiste. No trecho da entrevista ela se refere à tabela acima: https://soundcloud.com/azenha/fatorelli-governo-frauda-a
Ao fim e ao
cabo, segundo Maria Lucia, é o peso da dívida que acaba enfraquecendo o
endividado Estado brasileiro.
Seria o
motivo para as concessões de estradas, rodovias, portos e ferrovias anunciadas
pelo governo Dilma.
Para fazer
parecer que o problema não é tão grave quanto é, os cálculos do governo sobre a
relação entre a dívida e o PIB, a soma de todas as riquezas produzidas no
Brasil, considera a chamada “dívida liquida”, ou seja, o governo desconta as
reservas detidas pelo Brasil em dólares, de cerca de U$ 400 bilhões, da
equação.
Da mesma
forma, quando o governo calcula o pagamento de juros como parte do Orçamento,
não inclui os juros que, segundo Maria Lucia Fatorelli, estão “embutidos” no
refinanciamento da dívida.
Seriam
truques para fazer parecer que o problema não é tão grave quanto é. Acabam
mascarando o domínio dos banqueiros sobre o “sistema”.
É por isso
que os dois gráficos abaixo, divulgados pela Auditoria da Dívida Cidadã na
internet, causam tanta controvérsia. Os governistas acham que só deveriam ser
considerados os R$ 134 bilhões oficialmente declarados como juros pagos em
2012, não R$ 753 bilhões que são a soma de juros + amortizações.
Ao concluir nossa entrevista, Maria Lucia Fattorelli diz que o crescente grau de endividamento reduz a margem de manobra do governo e o empurra para as privatizações, agora “de estruturas de estado”, não apenas de empresas lucrativas, como aconteceu no período da privataria tucana. Outro ponto controverso, já que petistas insistem que concessões não equivalem à venda de patrimônio.
Maria Lucia
opina que o Estado brasileiro hoje serve mais aos banqueiros que aos cidadãos
que pagam a conta. Outra opinião capaz de causar um acalorado debate, mas desta
vez na federação dos banqueiros, a Febraban, que costuma dizer que os bancos
prestam um serviço público, sem admitir que fazem isso também às custas do
dinheiro público.
Ouçam o
trecho final da entrevista: https://soundcloud.com/azenha/falta-transpar-ncia-menos-para
Fonte:
http://www.viomundo.com.br/denuncias/maria-lucia-fatorelli.html
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