Muito
antes de analisarmos as instituições políticas – governos e partidos políticos
–, que na democracia são os instrumentos de exercício do poder, é preciso
reconhecer que esses governos e partidos são sustentados por recursos, valores
e uma cultura profundamente arraigada na sociedade.
Quando os
imigrantes são criminalizados, a pena de morte é defendida, as discriminações
de todo tipo – raciais, religiosas, de gênero, por exemplo – reafirmam
desigualdades, a sociedade mostra sua cultura autoritária e excludente.
Mas seria
injusto atribuir a toda a sociedade esse mesmo comportamento, como se ela fosse
homogênea, feita de iguais. Na realidade, é
sempre uma sociedade em disputa, na qual há oprimidos e opressores. E esses
opressores se valem de numerosos instrumentos para difundir seus valores e
ganhar a adesão das maiorias. Isso
se chama ideologia: a narrativa dos opressores que justifica e legitima a
opressão.
A escola, as igrejas, a televisão, o cinema e
os jornais atuam sobre a opinião pública reconstruindo a todo momento a
narrativa dos poderosos, criando novas versões para reafirmar seus valores e
interpretar o que vivemos.
Quando os poderosos do momento são os bancos, os
donos do capital, esse discurso assume os valores do capitalismo financeiro e
passa a exaltar a disputa, o egoísmo, o individualismo, o desejo de acumular
sem limites, a destruição do concorrente, a vitória sobre os demais. Uma
proposta de vida que é um estado de guerra permanente.
Nesse
caldo de cultura, se podemos chamar assim, é que se exercem os pequenos e os
grandes poderes; as relações
assimétricas que ocorrem na família, no trabalho, nos espaços públicos,
recriando sociedades autoritárias, hierárquicas, centralistas, verticais.
E nessa condição de convivência humana, o
instrumento de defesa das maiorias é a democracia, por meio de instrumentos
públicos de regulação e controle dos interesses privados. Mas mesmo a democracia é desafiada e, na maior parte
dos casos, submetida aos interesses dos poderosos.
Reconquistar
a liberdade, a autonomia e a capacidade de decidir sobre a vida cotidiana e os
destinos da coletividade é enfrentar esses pequenos e grandes poderes. Isso
significa disputar no dia a dia os sentidos da democracia.
Vamos discutir
esses temas nesta edição.
Silvio
Caccia Bava
Diretor e
editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
Fonte: http://www.diplomatique.org.br/edicoes_especiais_editorial.php?id=10
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