Os entraves para implantar a Lei do Piso que,
após seis anos
de sua promulgação, não é cumprida em todo o Brasil
Por Tory
Oliveira
A Lei do
Piso Salarial, a primeira a estabelecer
um salário mínimo nacional aos professores da Educação Básica, completou seis
anos em 2014. Sua implantação, porém, ainda não atinge todos os estados e
municípios brasileiros. A principal barreira é o descompasso entre a lei
federal e os governos municipais e estaduais, que alegam falta de recursos para
realizar o pagamento mínimo mensal de 1.697 reais para os que trabalham 40
horas semanais nas escolas públicas brasileiras.
De acordo
com dados das secretarias estaduais e da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), os estados do Rio
Grande do Sul e Rondônia ainda não cumprem a lei. Os demais pagam salários que variam entre 1.697 reais, e 3.579,42 reais.
Outros 14 estados, segundo levantamento feito em março pela CNTE, usam alguns
artifícios para não cumprir as determinações na íntegra, em especial a regra de
reservar um terço da jornada de trabalho do professor para atividades
extraclasse. Segundo a União
Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação (Undime), não existe registro
oficial de quantos municípios desrespeitam a legislação.
Reivindicação
histórica, o Piso Nacional Único para a
rede pública foi criado em 2008 e julgado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) em 2011, após os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Mato Grosso do Sul e Ceará questionarem sua validade no Judiciário. Para o
presidente da CNTE, Roberto Leão, a lei sofreu e sofre muitos ataques, porque o discurso da valorização dos profissionais
da educação “é ainda apenas um discurso”.
O desafio
que está posto é como os professores, em cada estado ou município, se
entenderão com os governos locais. Na avaliação de Maria Dilnéia Espíndola
Fernandes, do programa de pós-graduação em Educação e da Unidade Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), além dos Estados e municípios que realmente não têm condições
financeiras de arcar com o pagamento de 1.697 reais, há outros que não o fazem
por motivos políticos e ideológicos: “Eles estão preocupados com outras
situações da educação, em que o salário do professor não é a questão mais
importante”.
A Lei do Piso determina que a União
complemente o orçamento dos entes federativos que não tenham dinheiro. Para
isso, é necessário que o estado ou o
município justifiquem a incapacidade, enviando ao Ministério da Educação uma
solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos, comprovando a
necessidade da complementação. “Até hoje ninguém conseguiu comprovar”,
conta Leão, do CNTE. “Até porque, muito
do que é destinado à educação é desviado para outras finalidades. É comum, por
exemplo, funcionários pagos com o dinheiro da educação atuando em cartórios ou
delegacias. Esse é um desvio que precisa acabar.”
Além da falta de recursos, a Lei de
Responsabilidade é citada como entrave para o pagamento do piso. Como proíbe
que a despesa total com pagamento de pessoal ultrapasse a receita corrente
líquida dos estados e municípios em 60%, em alguns casos, o montante destinado
ao pagamento de salários dos professores pode exceder o valor estipulado pela
lei.
Outro ponto de divergência
entre sindicatos e secretarias de Educação é o pagamento abaixo do piso para
jornadas de trabalho inferiores a 40 horas semanais. No Paraná, por exemplo, o professor recebe
1.236,61 reais para 20 horas – caso a jornada seja de 40, o valor é dobrado. Na
letra fria da lei, o piso nacional está sendo pago, uma vez que a própria
legislação estabelece que os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas
deverão ser, no mínimo, proporcionais ao piso de 40 horas. Já no entendimento da CNTE, a despeito do
tempo da jornada de trabalho, todos os professores da rede deveriam receber, no
mínimo, 1.697 reais.
Para
Cleuza Repulho, presidente da União
Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime), é fundamental que o gestor
educacional consiga fazer a discussão com a categoria sobre o assunto. “É
preciso abrir todas as contas para a categoria e ter responsabilidade de saber
que não será possível resolver tudo de uma vez”, diz. Fazer um diagnóstico
inicial da rede, de sua arrecadação e gastos são medidas que o responsável pela
Secretaria de Educação pode tomar para tentar equacionar o problema e se
adequar à Lei.
Diante do não cumprimento da lei por estados ou
municípios, a CNTE também orienta que os professores se manifestem por meio de
seus sindicatos e tentem, em primeiro lugar, negociar com o gestor local. O segundo passo, caso as negociações não avancem, é entrar com uma ação
judicial de cobrança na Justiça regional. Existe ainda a possibilidade de fazer
uma ação de reclamação no STF e alegar que a decisão da instância máxima da
Justiça brasileira não está sendo respeitada.
O Rio Grande do Sul é um dos estados em que o
conflito entre sindicato e Secretaria de Educação ainda não foi solucionado.
Atualmente, perto de 4 mil docentes
gaúchos de nível médio em início de carreira recebem 977,05 reais. “O secretário diz que não tem condições de
pagar, mas são escolhas que o governo faz”, critica Rejane de Oliveira,
atual presidente do sindicato dos professores do estado. Em resposta, o secretário de Educação, José Clóvis de
Azevedo, se defende: “A maioria dos estados não cumpre a lei do piso. Os que
cumprem achataram o plano de carreira e muitos outros dizem que cumprem, mas o
fazem com completivos. Nesse caso, nós
também cumprimos, porque temos um completivo sobre o básico recebido pelo
professor para chegar ao piso”. Em
novembro, o salário inicial para os professores com nível médio subirá para
1.260,29 reais – aqueles com nível superior recebem hoje 1.807,54 reais e, em
novembro, passarão a ganhar 2.331,40 reais.
Azevedo
afirma que, caso o piso fosse adotado
como vencimento básico, o efeito cascata nos demais salários em razão do plano
de carreira docente do estado inviabilizaria os pagamentos. Para o secretário, o piso não dialoga com a
realidade do estado. “A maioria dos estados vive uma crise financeira
estrutural. O Rio Grande do Sul não consegue pagar o piso e manter sua
atualização, em função de crise mais profunda, histórica e do grande número de
funcionários da rede”, explica. O
problema da lei do piso, afirma, é definir uma obrigação para estados e
municípios sem apresentar as fontes de financiamento.
Valorização
docente
A batalha pela valorização salarial é quase tão
antiga quanto a profissão docente no Brasil. Segundo Maria Dilnéia, o professor brasileiro luta por salários mais
dignos desde que começou a se organizar como categoria de trabalhadores. “Por
muito tempo, além do baixo salário, o professor não tinha a liberdade de se
organizar de forma livre e autônoma nos sindicatos”, explica.
A
crescente municipalização da educação brasileira, em especial do Ensino
Infantil e Fundamental, também trouxe novos desafios para a luta dos
professores enquanto categoria profissional. Ao mesmo tempo em que subiu o número de professores pagos pelas
secretarias municipais, grande parte das cidades optou pela contratação de
docentes temporários, ou seja, não concursados. Apesar de terem direito a receber o piso, em alguns casos esses
professores estão fora do plano de carreira e não usufruem de todos os direitos
trabalhistas de um concursado. “É
possível encontrar professores que estão há dez anos dando aula como
temporário. É como se estivessem, todos os anos, começando sua vida de carreira
com o salário inicial”, critica Maria Dilnéia.
A Lei do Piso Salarial Nacional, nos últimos
seis anos, tornou a carreira docente mais atraente? Para ela, ainda é cedo para
responder. “Como a implantação é recente e muitas unidades federativas ainda
não a cumprem, é prematuro dizer se o piso promove atratividade”, responde,
acrescentando ser preciso tempo para dizer se o pagamento mínimo perderá poder
aquisitivo com os reajustes vindouros. •
Publicado
na edição 60, de agosto de 2014
Fonte:
http://www.cartafundamental.com.br/single/show/263
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