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quarta-feira, 5 de março de 2014

Reflexão: O materialismo histórico aborda o capitalismo de uma forma exatamente antitética às modas atuais (Wood)

“Os intelectuais de esquerda, quando não abraçam o capitalismo como o melhor dos mundos possíveis, limitam-se a sonhar com pouco mais que um espaço nos seus interstícios e prescrevem apenas resistências locais e particulares. No exato momento em que se necessita urgentemente de uma compreensão crítica do sistema capitalista, grandes seções da esquerda intelectual, em vez de desenvolver, enriquecer e refinar os instrumentos conceituais necessários, dão amplos sinais de que pretendem abandoná-los. O ‘pós-marxismo’ deu lugar ao culto do pós-modernismo, e a seus princípios de contingência, fragmentação e heterogeneidade, sua hostilidade a qualquer noção de totalidade, sistema, estrutura, processo e ‘grandes narrativas’. Mas se essa hostilidade se estende à própria ideia de capitalismo como sistema social, ela não evita que essas correntes intelectuais tratem o ‘mercado’ como se ele fosse uma lei natural, universal e inevitável, enquanto, paradoxalmente, bloqueiam o acesso crítico a esse poder totalizador pela negativa de sua unidade sistêmica e pela insistência na impossibilidade de conhecimentos ‘totalizadores’. A fragmentação e a contingência pós-modernistas se unem aqui à estranha aliança com a ‘grande narrativa’ do ‘fim da história’.
Os intelectuais da esquerda, então, vêm tentando definir novas formas, que não a contestação, de se relacionar com o capitalismo. A maneira típica é procurar interstícios no capitalismo onde criar espaços para discursos e identidades alternativos. [...] Mas, subjacente a tudo isso, parece haver a convicção de que o capitalismo chegou para ficar, pelo menos numa perspectiva histórica previsível.
A reformulação da relação da esquerda com o capitalismo como a criação de espaço no seu interior, e não o desafio direto e a contestação a ele, ajuda a explicar as principais transformações dos discursos tradicionais da esquerda [...]
Em oposição a essa tendência dominante, proponho partir da premissa de que a crítica do capitalismo é urgentemente necessária, que o materialismo histórico ainda oferece a melhor base sobre a qual é possível construí-la e que o elemento crítico do marxismo está acima de tudo em sua insistência na especificidade histórica do capitalismo – com ênfase tanto na especificidade de sua lógica sistêmica quanto na sua historicidade. Em outras palavras, o materialismo histórico aborda o capitalismo de uma forma exatamente antitética às modas atuais: a unidade sistêmica do capitalismo em vez de meros fragmentos pós-modernos, mas também a historicidade -  e daí a possibilidade de sua superação-  e não a inevitabilidade capitalista e o fim da história.”


(WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 13-14)

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