“Em uma democracia, o poder não é deferido a quem
tem força, mas, ao contrário, a força é colocada a serviço do poder. No Brasil,
estabeleceu-se uma Constituição e foi entregue, precisamente aos que mais são
tentados a violá-la, a tarefa de manter sua supremacia. Ora, se os militares
são garantes, terminam sendo, também, organizadores da vida política. As Forças
Armadas deixam de ser meio para se transformar, quando necessário, em fim do
Estado.
Ordem não é um conceito neutro e sua definição e sua
definição operacional em todos os níveis do processo de tomada de decisão
política envolve escolhas que refletem as estruturas política e ideológica
dominantes. Portanto, a noção de (des)ordem envolve julgamentos ideológicos e
está sujeita a estereótipos e preconceitos sobre a conduta (in)desejada de
determinados indivíduos. Além do mais, tal artigo1 não especifica se
a lei é constitucional ou ordinária.
Um Golpe de Estado constitucional
A Constituição não define quem violou e quando é que
a lei e a ordem foram violadas. Na prática termina cabendo às Forças Armadas
decidir quando houve violação da lei da ordem. E quem as violou. [...]
Há, desse modo, uma espada de Dâmocles fardada
pairando sobre a cabeça dos poderes constitucionais. Tais poderes estão sendo
constitucionalmente lembrados de que podem ir até onde as Forças Armadas
acharem conveniente. Por conseguinte, repito, em vez de tais poderes garantirem o funcionamento das Forças
Armadas, são elas, em última instância, que garantem o funcionamento dos
referidos poderes. Afinal, elas são as guardiãs da pátria e dos poderes
constitucionais. Algo incompatível com uma democracia que faça jus a esse nome.”
(ZAVERUCHA, Jorge. O Brasil é uma semidemocracia? A Constituição de 1988, tal como a
anterior, tornou constitucional o golpe de Estado, desde que seja liderado
pelas forças armadas. In. Dossiê CULT: A democracia e seus impasses, julho,
2012. p. 47)
1Constituição
de 1988, Capítulo II - Das Forças Armadas: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem.
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