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domingo, 9 de março de 2014

CONSENSO DE WASHINGTON - João José Negrão

"Em 1989, no bojo do reaganismo e do tatcherismo máximas expressões do neoliberalismo em ação, reuniram-se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de caráter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened?, visava a avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina.
John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes. E quem cunhou a expressão "Consenso de Washington", através da qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro, ao final resumidas nas seguintes regras universais:
Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;
Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;
Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos
Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor;
Taxa de câmbio competitiva;
Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;
Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro;
Privatização, com a venda de empresas estatais;
Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas;
Propriedade intelectual.
Embora tivessem, em princípio, caráter acadêmico, as conclusões do Consenso acabaram tornando-se o receituário imposto por agências internacionais para a concessão de créditos: os países que quisessem empréstimos do FMI, por exemplo, deveriam adequar suas economias às novas regras. Para garantir e "auxiliar" no processo das chamadas reformas estruturais, o FMI e as demais agências do governo norte-americano ou multilaterais incrementaram a monitoração – novo nome da velha ingerência nos assuntos internos – das alterações "modernizadoras".
Em síntese, é possível afirmar que o Consenso de Washington faz parte do conjunto de reformas neoliberais que apesar de práticas distintas nos diferentes países, está centrado doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e redução do tamanho e papel do Estado.
E, conforme o ex-embaixador Paulo Nogueira Batista, "apresentado como fórmula de modernização, o modelo de economia de mercado preconizado no Consenso de Washington constitui, na realidade, uma receita de regressão a um padrão econômico pré-industrial caracterizado por empresas de pequeno porte e fornecedoras de produtos mais ou menos homogêneos. O modelo é o proposto por Adam Smith e referendado com ligeiros retoques por David Ricardo faz dois séculos. Algo que a Inglaterra, pioneira da Revolução Industrial, pregaria para uso das demais nações, mas que ela mesma não seguiria à risca. No Consenso de Washington prega-se também uma economia de mercado que os próprios Estados Unidos tampouco praticaram ou praticam (...). O modelo ortodoxo de laissez-faire, de redução do Estado à função estrita de manutenção da ‘lei e da ordem’ – da santidade dos contratos e da propriedade privada dos meios de produção – poderia ser válido no mundo de Adam Smith e David Ricardo, em mercados atomizados de pequenas e médias empresas gerenciadas por seus proprietários e operando em condições de competição mais ou menos perfeita; universo em que a mão-de-obra era vista como uma mercadoria, a ser engajada e remunerada exclusivamente segundo as forças da oferta e da demanda; uma receita, portanto, de há muito superada e que pouco tem a ver com os modelos modernos de livre empresa que se praticam, ainda que de formas bem diferenciadas, no Primeiro Mundo" (Batista: 1995, pág. 119-120).
Na verdade, o Consenso de Washington representa, no contexto da América Latina, o mesmo movimento de contra-ataque do capitalismo em relação às conquistas dos trabalhadores. É desnecessário afirmar que aqui o pano de fundo é outro, que existem, quando muito, arremedos de Estados de Bem-estar e que a democracia, a muito custo, tenta fazer sua reentrada num continente marcado por sucessivos períodos de ditaduras declaradas ou disfarçadas, civis ou militares (com preponderância das últimas). Em suma, aqui na América Latina o conservadorismo propõe discussões e modelos pós-welfare para sociedades que nem sequer se aproximaram daquela configuração no que diz respeito a direitos sociais e distribuição de renda e onde, ao contrário, o Estado tem servido historicamente mais aos interesses das classes dominantes associadas-dependentes ou não do capitalismo mundial, do que aos setores subalternos."

(Do livro: Para conhecer o Neoliberalismo, João José Negrão, pág. 41-43, Publisher Brasil, 1998)

Fonte: http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/consenso.html

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