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quarta-feira, 17 de julho de 2013

Arte: APOSENTADORIA DO MANÉ DO RIACHÃO (Patativa do Assaré)

Seu moço, fique ciente / De tudo que eu vou contar, / Sou um pobre penitente / Nasci no dia do azá, / Por capricho eu vim ao mundo / Perto de um riacho fundo / No mais feio grutião / E como ali fui nascido, / Fiquei sendo conhecido / Por Mané do Riachão.
Passei a vida penando / No mais crué padicê, / Como tratô trabaiando / Pro filizardo comê, / A minha sorte é trucida, / Pra miorá minha vida / Já rezei e fiz promessa, / Mas isto tudo é tolice, / Uma cigana me disse / Que eu nascí foi de trevessa.
Sofrendo grande cancêra / Virei bola de biá / Trabaiando na carrêra / Daqui, pra ali e pra aculá, / Fui um eterno criado / Sempre fazendo mandado / Ajudando aos home rico, / Eu andei de grau em grau / Taliquá o picapau / Caçando broca em angico.
Sempre entrando pelo cano / E sem podê trabaiá, / Com secenta e sete ano / Percurei me apusentá, / Fui batê lá no iscritoro / Depois eu fui no cartoro, / Porém de nada valeu, / Veja o que foi, cidadão, / Que aquele tabelião / Achou de falá pra eu.
Me disse aquele iscrivão / Frangindo o côro da testa: / – seu Mané do Riachão, / Este seus papé não presta, / Isto aqui não vale nada, / Quem fez esta papelada / Era um cara vagabundo, / Pra fazê seu apusento / Tem que trazê documento / Lá do começo do mundo.
E me disse que só dava / Pra fazê meu apusento / Com coisa que eu só achava / No Antigo Testamento, / Eu que tava prazentêro / Mode recebê dinhêro, / Me disse aquele iscrivão / Que precizava dos nome / E também dos subrinome / De Eva e seu marido Adão.
E além da identidade / De Eva e seu marido Adão / Nome de niversidade / Onde estudou Salomão / Com outras coisas custoza, / Bem custoza e cabuloza, / Que neste mundo revela / A Escritura Sagrada, / Quatro dente da quêxada / Que Sansão brigou com ela.
Com manobra e mais manobra / Pra puder me aposentá, / Levá o nome da cobra / Que mandou Eva pecá / E além de tanto fuxico, / O registro e o currico / De Nabuco Donozô, /  Dizê onde ele morreu, / Onde foi que ele nasceu / E aonde se batizô..
Veja moço, que novela, / Veja que grande caipora / E a pió de todas ela / O sinhô vai vê agora, / Para que me apusentasse, / Disse que também levasse / Terra de cada cratéra / Dos vulcão dos istrangêro / E o nome do vaquêro / Que amansô a Besta Fera.
Iscutei achando ruim / Com paciênça fraca / E ele oiando pra mim / Com os óio de jararaca / Disse: a coisa aqui é braba / Precisa que você saba / Que eu aqui sou o iscrivão, / Ou estas coisa apresenta, / Ou você não se apusenta, / Seu Mané do Riachão.
Veja moço, o grande horrô / Sei que vou morrê dipressa, / Bem que a cigana falou / Que eu nasci foi de trevessa, / Cheio de necessidade / Vou vivê da caridade, / Uma ismola cidadão! / Lhe peço no Santo nome, / Não dêxe morrê de fome / O Mané do Riachão.

(Patativa do Assaré)

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