Como podem
ser identificados os assédios moral e sexual nas relações de trabalho?
Ministra
Peduzzi - Todos nós sabemos que há uma dificuldade probatória maior no assédio
sexual por que as pessoas que o praticam têm consciência do objetivo e por isso
tomam cautela e ele é realizado entre quatro paredes. Pode se caracterizar por
palavras, olhares, desde que induzam ao sexo. Então é realmente bem mais
difícil, tanto que a prova do assédio sexual, eu digo, tem que ser construída
de alguma forma. Ele ocorre num nível vertical, de um superior em relação a um
inferior e o objetivo é ou garantir o emprego ou uma promoção ou um benefício.
A vítima deve se munir de todas as cautelas, deixar alguém escutando.
A vítima pode
gravar uma ligação telefônica, mas não pode fazer escuta telefônica, isso é
prova ilícita (colocar dispositivo para obter cópia de uma conversa de terceiros).
Mas se receber um telefonema do agressor e o gravar, isso serve como prova, não
é prova ilícita. Já no assédio moral, a prova não é tão difícil de ser
construída, pois ao contrário do assédio sexual, ele se constitui
necessariamente de atividades continuadas, sendo que o percentual desse tipo de
assédio, em sua maioria, é de mulheres. Atinge uma esfera exclusivamente moral,
psíquica, e, embora seja difícil ser provado, como é uma repetição de atos
praticados no ambiente de trabalho, eu diria, é muito simples qualquer colega
poder comprová-lo.
Embora o
assédio no trabalho seja tão antigo quanto o próprio trabalho, a partir de
quando passou a ser identificado como algo destrutivo?
Ministra
Peduzzi - Os primeiros estudos sobre o tema ocorrerem na década de 1980 e foram
realizados pelo psicólogo alemão Heinz Leymann, quando, ao estudar na Suíça,
nas grandes organizações o comportamento dos empregados, identificou esse
fenômeno (a fragilidade da autoestima em relação a determinados empregados e
que afetava a produtividade). Então é um instituto que não é exclusivo do campo
do Direito, também tem a ver com a medicina, especialmente com a medicina do
trabalho, porque ocorre no ambiente de trabalho e afeta a produtividade e a
saúde psicológica do empregado, que começa a não querer trabalhar porque está
sendo rejeitado. O assédio pode ser um ato concreto ou uma omissão, quando se
despreza o empregado, sem lhe passar atribuições. Ele chega no local de
trabalho e fica desestimulado, sentindo-se improdutivo, ignorante, porque
ninguém lhe dá atribuições. Também pode ocorrer quando se passa atribuições
desnecessárias e estranhas ao contratado.
Por isso é
que são atos que, à primeira vista, individualmente considerados, podem não ter
uma grande repercussão, mas, na soma, afetam a saúde psíquica do empregado e
ele começa a ficar desmotivado e isso irá causar danos ao seu comportamento
profissional amanhã e em outra área, com outro empregador. A doutrina fixou o
prazo, inicialmente de seis meses, como suficiente para caracterizar o assédio
moral, mas eu já vi que a jurisprudência é muito flexível em relação a isso.
Pode ser um prazo até um pouco menor, mas tem que haver uma continuidade, não é
um ato isolado. Pode, ainda, existir um ato sujeito à reparação, que produz dano
moral e que não é assédio moral, como, por exemplo, as revistas íntimas, que
não entendo ser assédio moral, embora muitos a classifiquem como tal. Hoje o
Tribunal admite revistas por segurança, à exceção da revista íntima em que há
invasão de intimidade.
O assédio
sexual, na maioria dos casos, ocorre entre os desiguais. Por quê?
Ministra
Peduzzi - Porque o assédio sexual, como tem natureza vertical descendente,
sempre ocorrerá de um superior em relação a um subordinado e acontecerá num
ambiente de trabalho, por ter a ver com ele e significar exatamente uma moeda
de troca, por isso o constrangimento. Se acontecer com um colega de trabalho, o
empregado pode não aceitar, mas se depender daquele emprego para manter a
família, irá pensar duas vezes em romper o vínculo. Então o assédio sexual
sempre ocorrerá entre desiguais, do ponto de vista hierárquico. Em matéria de
gênero, a maioria das vítimas é de mulheres, mas pode ocorrer de uma mulher em
relação a um homem ou entre pessoas do mesmo sexo. O que o tipo penal
identifica é a superioridade hierárquica do agressor, que é o que justamente
causa o constrangimento e identifica o assédio sexual.
O assédio
pode ocorrer entre dois colegas e ainda entre subordinado e superior. Nas ações
dirigidas à Justiça do Trabalho, qual é o mais comum?
Ministra
Peduzzi - O mais comum é o do superior hierárquico em relação ao subordinado,
até porque é ele quem tem o poder. Por que veja, o assédio sexual tem como
finalidade obter vantagem, mas o objetivo no assédio moral é desestabilizar a
pessoa, fragilizando e levando-a a pedir demissão, ou aderir ao PDV, ou
requerer aposentadoria ou uma transferência. Então o objetivo é desestabilizar
para pôr fim ao vínculo. Isso é a construção, porque ainda não existe a
tipificação, mas essas foram as características que a doutrina e a
jurisprudência desenvolveram. Foi muito comum o empregado que não queria aderir
ao PDV e colocar fim ao contrato, sendo mais fácil desprezá-lo do que lhe dizer
que havia perdido o emprego.
Ou seja, se a
pessoa não é instruída, ela diz, deixa para lá, até que se canse e peça para ir
embora, arrume outro emprego. Isso ocorre muito, um representante qualquer,
principalmente em grandes organizações. Quando se estudou o instituto, o
fenômeno, aí se estabeleceu a necessidade de haver um mecanismo de prevenção.
Hoje, o que é mais estudado em relação ao assédio moral é o mecanismo de
prevenção e de esclarecimento, a fim de evitá-lo, porque o artigo 932, inciso
II do Código Civil é expresso – a empresa responde pelos atos de seus
representantes e prepostos - o empregador também pode responder
financeiramente. Pelo ilícito civil, responde a empresa, independente do nível
hierárquico do empregado que praticou o assédio moral.
Existe algum
dispositivo preveja punição para a prática dos assédios moral e sexual?
Ministra
Peduzzi - Dependendo do caso, o empregado poderá requerer a despedida indireta,
cujos consectários seriam o recebimento de todas as verbas trabalhistas
decorrentes, equiparada a uma despedida imotivada. No mais, são ilícitos civis
trabalhistas, aplicando-se aí o Código Civil, segundo o qual a reparação do
dano moral é proporcional ao dano. Na hipótese de haver danos materiais, o
Código Civil prevê a indenização, ao definir o valor do dano moral, são os
lucros cessantes e os danos emergentes. O dano material é acumulável com a
indenização pelo dano moral, dispondo, ainda, o artigo 950, parágrafo único do
Código Civil, que se a pessoa teve um decréscimo na sua capacidade de trabalho
ou teve que cessá-lo, ainda há a possibilidade de requerer pensão.
Há um
panorama dos casos de assédio sexual envolvendo as mulheres?
Ministra
Peduzzi - O número de casos judiciais de assédio sexual é muito pequeno. De
acordo com estatística da Organização Internacional do Trabalho, em 2000, 52%
das mulheres tinham sido assediadas, mas posso assegurar que hoje esse índice
deve ser bem inferior. Primeiro porque é crime, depois por causa das campanhas
de esclarecimento e também pela segurança que a mulher tem hoje no mercado de
trabalho, por representar 50% da força de trabalho. Mas o número de casos
ajuizados é bem pequeno. Aqui no Tribunal se julguei dois ou três casos nos
últimos anos foram muitos, até pela dificuldade da prova. Já assédio moral, são
muitos, cada dia mais.
Por que no
Brasil o assédio sexual lé crime, conforme a Lei n° 10.224/2001?
Ministra
Peduzzi - Porque não há necessidade, haja vista a legislação trabalhista prever
especificamente no artigo 483 da CLT (elenca as faltas graves patronais) que o
empregador não pode praticar qualquer ato que atente contra a honra e boa fama
do empregado. Então já está tipificado no artigo 483 como ilícito trabalhista
e, assim, já é um ilícito trabalhista pela própria previsão existente no
referido artigo e o que se fez foi forçar realmente a redução da prática com a
tipificação como crime. E reduziu mesmo. Na prática do ilícito civil quem
responde pela reparação é o empregador, mas no penal é quem o praticou.
Políticas
para conscientizar sobre o problema inibem a prática?
Ministra
Peduzzi - Sem dúvida. Com a descoberta desses atos aparentemente inofensivos,
como produtores de efeitos maléficos no ambiente de trabalho para o trabalhador
nas décadas de 1980 e 1990, começou a se identificar o instituto e as primeiras
ações já foram ajuizadas em 2000. Ela é um instrumento da maior importância e
eficiência, por esclarecer o empregador, do pequeno ao grande e também o
empregado, que, uma vez esclarecido, poderá reagir e impedir que a prática seja
uma constante.
(Lourdes
Cortes/RA)
Fonte: TST
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