(Dom, 18 Nov
2012, 06:00)
Em tempos de
blogs e redes sociais, ações que envolvem direito à liberdade de expressão e
demissões por ofensa à honra do empregador revelam um novo cenário nas relações
trabalhistas mediadas pelas novas tecnologias. São características do chamado
Direito Digital, em que a testemunha é uma máquina e a prova é eletrônica.
Senzala e
danos morais
"Senzala
Zest - Esta página é destinada a todos aqueles que são ou já foram escravos do
Restaurante Zest", convidava uma ex-empregada do restaurante em um site de
relacionamentos, com objetivo de atacar os sócios do estabelecimento. Na
comunidade criada, ela ainda alegava a suposta homossexualidade do filho de um
dos sócios do restaurante. A empresa entrou com ação por danos morais e ganhou
na primeira e segunda instâncias: a trabalhadora foi condenada a pagar
indenização de R$ 1 mil aos sócios, com base nos artigos 186 e 197 do Código
Civil.
Para a
advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital e autora de
obras sobre o tema, as redes sociais funcionam também como canal para a
manifestação dos trabalhadores que se sentem injustiçados. Mas situações assim
podem gerar sérias consequências. "É a velha história de trazer a mesa de bar
para dentro da rede social", diz ela. "Se uma pessoa desabafa e fala
mal da empresa ou do chefe numa mesa de bar, tudo bem, o assunto se limita aos
presentes. Mas o que é colocado na internet é visível para terceiros, vira
documento publicado, ou seja, 930 milhões de pessoas poderão ver sua
mensagem", explica.
Postura na
rede
As leis
trabalhistas não impedem que as empresas estipulem, no contrato de trabalho,
condutas e posturas relativas ao uso das tecnologias – se aquele tipo de canal
pode ser utilizado, qual ferramenta e como. Tais parâmetros também podem fazer
parte de convenção coletiva. Algumas empresas possuem até mesmo cartilhas ou
manuais de redação corporativo, orientando os empregados sobre a linguagem
apropriada e palavras consideradas indevidas.
Outra
novidade é que se antes o empregador fornecia os instrumentos de trabalho, hoje
levamos para o ambiente corporativo nossas próprias tecnologias, como tablets e
celulares, tanto para manter contatos relacionados à empresa quanto para
contatos pessoais, sendo difícil manter um discernimento comunicativo. "As ferramentas mudaram nosso modo de
trabalhar e estão impregnadas no comportamento das pessoas, tanto que elas não
percebem que estão revelando mais do que deviam", analisa a especialista
em redes sociais Camilia Caparelli.
Mas como
separar o indivíduo do profissional, ou separar rede social de ambiente de
trabalho, já que, em princípio, tudo compreende redes sociais? "O problema
está em saber o que dizer e o que não dizer quando se escreve, uma vez que o
que se escreve é diferente do que se diz, tem dimensões diferentes e leva a
diferentes interpretações. Deve se ter todo cuidado para não cair em nenhuma
saia justa", diz a especialista.
No caso da
publicação via Internet, a justa causa pode ser aplicada com base no artigo
482, alínea "k", da CLT, segundo o qual todo ato lesivo da honra ou
da boa fama ou ofensas contra o empregador e superiores hierárquicos constituem
motivos para a dispensa. O controle dos computadores é legal e, caso seja
identificada utilização indevida dos equipamentos ou da web, a direção pode
demitir alegando justa causa.
Foi o que
aconteceu com uma assistente administrativa de uma empresa de tecnologia
demitida por uso indevido da Internet. Conforme a decisão, "enquanto se dedicava
ao contato virtual com o namorado para tratar de recordações vividas ao seu
lado, em momentos íntimos, não atendeu por volta de seis ligações". Para o
juiz faltou bom senso da trabalhadora, além do fato de que todas as ligações da
empresa e os computadores eram sabidamente monitorados.
Patrícia
Pinheiro (foto) recomenda aos empregados que tenham postura adequada nesses
ambientes eletrônicos e, em hipótese alguma, façam uso deles para contatos
íntimos, prática de ofensas, atos ilícitos ou antiéticos.
Segundo a
advogada, empregados também não devem colocar conteúdos de trabalho em blogs ou
redes sociais. A especialista explica ainda que para instruir um processo cuja
petição se baseia em provas virtuais, como históricos de conversas no MSN,
acesso ou troca de arquivos pornográficos, e-mails etc., a documentação deve
ser apresentada em formato original, via CDs, DVDs ou pen drive, e deve-se
pedir segredo de justiça devido ao tipo de conteúdo e ao grau de exposição das
partes envolvidas.
Liberdade de
Expressão
Há casos,
porém, em que o motivo alegado para demissão não se deu no ambiente de trabalho
ou por meio de equipamentos fornecidos pela empresa, e sim na esfera pessoal.
Aí, mais do que a violação de regras de conduta, o que está em jogo é a
liberdade de expressão e suas implicações na relação de trabalho.
Servidora do
Município de Cândido de Abreu (PR), N. M. P. G. teve sua gratificação
suprimida, segundo ela, porque suas convicções políticas não se alinhavam com
as do prefeito do município. A servidora exercia a função há mais de dez anos e
disse que a medida teve "nítido caráter punitivo". De acordo com uma
testemunha, apenas a servidora perdeu a gratificação.
A sentença
condenou o município a restituir os valores da gratificação e a pagar
indenização por dano moral no valor de R$ 4 mil à servidora. O município
recorreu e o caso chegou ao TST. A relatora, ministra Rosa Weber (atualmente
ministra do Supremo Tribunal Federal), considerou que o município, ao suprimir
a gratificação por questões políticas, violou o direito fundamental da
servidora à liberdade de consciência, assegurado no artigo 5º, incisos VI e
VIII, da Constituição da República.
Caso
semelhante viveu A. F. A. P. G., servidor da prefeitura de Itu (SP), demitido
por justa causa depois de publicar em uma rede social palavras consideradas
ofensivas ao prefeito da cidade, Herculano Passos Júnior (PV). Em um dos posts,
ele incitava a população a não mais votar em "certos pilantras que nomeiam
incompetentes para administrarem os setores da municipalidade".
O funcionário
conta que foi surpreendido em sua sala de trabalho pela visita do prefeito e de
um secretário pedindo que ele se explicasse em relação às mensagens. Embora
alegasse liberdade de expressão, dois meses depois foi demitido com a justificativa
de ter atentado contra a moral do empregador. "Fui ignorado por colegas e
fiquei mal falado dentro da secretaria", lembra ele.
Em 2007, ele
entrou com ação trabalhista contra o município. Ganhou em primeira e segunda
instâncias. Segundo a decisão, não havia provas de que as postagens tivessem
ocorrido em horário de trabalho, e os comentários diziam respeito aos
acontecimentos políticos da cidade de Itu, os quais, segundo o juiz, "eram
de conhecimento público e notório de qualquer cidadão". Hoje, já
reintegrado, o funcionário aguarda receber quatro anos e nove meses de salários
e demais benefícios.
"Saias
justas"
No uso das
ferramentas tecnológicas de trabalho, como o e-mail corporativo, os
especialistas sugerem cuidado com a precipitação na hora de dar uma resposta. A
instantaneidade da comunicação eletrônica pode levar a respostas mal elaboradas
– ou irrefletidas – e, consequentemente, a mal entendidos. Foi o que aconteceu,
em 2008, com um servidor da TV Senado, que respondeu com um palavrão a um e-mail
em que a assessoria do então secretário de Emprego e Relações de Trabalho de
São Paulo, Guilherme Afif, comunicava sua presença numa audiência pública na
Câmara, e foi alvo de uma sindicância interna.
Uma prática
comum em mensagens corporativas apontada pela advogada Patrícia Peck é o hábito
de "copiar" diversos destinatários, ou seja, mandar cópias de uma
mensagem de e-mail para diversas pessoas. "Todos os ‘copiados' acabam
cientes do assunto tratado, e nem sempre têm alguma coisa a ver com ele",
alerta.
Outro aspecto
apontado por ela é o excesso de informalidade, que também pode comprometer o
profissionalismo e gerar confusão – como encerrar um e-mail com
"beijos" (ou, abreviadamente, "bjs"), usar apelidos ou
abusar nas gírias e na linguagem típica das comunicações entre amigos na
internet.
Como para
toda regra há exceção, em pelo menos um caso a informalidade foi benéfica. No
julgamento da Ação Penal 470 (o "mensalão") pelo Supremo Tribunal
Federal, um dos argumentos apresentados para demonstrar que uma das rés, a
gerente financeira Geiza Dias, não sabia que estava envolvida em
irregularidades foram os e-mails que trocava com colegas da agência SMP&B e
funcionários do Banco Rural. Em tom informal, ela manda "beijos" e
"abraços" nas mensagens sobre saques – o que, para o revisor da AP
470, ministro Ricardo Lewandowski, era indício de que não agia com má-fé.
"Quem lava dinheiro não manda beijos e abraços, não se coloca à disposição
para esclarecimentos suplementares", afirmou. Geiza foi inocentada de todas
as imputações.
(Ricardo Rafael e Carmem Feijó / RA)
Fonte: TST
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