A matéria
especial deste final de semana traz como tema o estágio supervisionado no
Brasil. Porta de entrada para os futuros profissionais, a prática é vista com
desconfiança por aqueles que acreditam que, atualmente, o estagiário é usado
como forma de baratear a mão de obra. Confira as posições da Justiça do
Trabalho sobre o tema.
O estágio
supervisionado ainda é para muitos jovens uma das principais oportunidades de
capacitação e porta de entrada para ascensão profissional e social. Para
outros, o setor está desconfigurado e hoje representa mais uma forma de
exploração de mão de obra barata e fraude à legislação. Veja na matéria
especial deste final de semana as principais questões que sido discutidas pela
Justiça do Trabalho sobre a categoria, a opinião de especialistas e de
estagiários.
Dados da
Associação Brasileira de Estágios (Abres) de 2011 informam que existe no Brasil
cerca de 1 milhão de estagiários no mercado de trabalho. Apenas neste ano,
foram abertas 179 mil vagas para o ensino superior e superior de tecnologia no
Brasil. Segundo Mauro de Oliveira, diretor de comunicação da ABRES, a
expectativa é de que haja nos próximos anos um crescimento no número de
estagiários no Brasil devido à expansão da economia e, principalmente, um
amadurecimento da lei de estágio (Lei n.º 11.788/2008). "Logo quando foi
sancionada, houve um ‘apagão de novas vagas', mas com a publicação de uma da
cartilha sobre A Lei do Estágio, as principais dúvidas foram sanadas e as
empresas voltaram a dar oportunidades para os jovens", explica.
O acesso ao
estágio se dá pelos chamados Agentes de Integração. São eles que promovem a
interlocução entre a instituição de ensino, o estudante e a empresa para a oferta
e a realização de estágios. O mais conhecido é o Centro Integrado entre Empresa
e Escola (CIEE). O estudante procura uma das unidades do centro e deve estar
matriculado em instituição de ensino e com frequência regular, tudo atestado
pela escola. O estágio ainda prevê alguns requisitos como acordo de cooperação
entre a instituição de ensino e a empresa concedente, e o Termo de Compromisso
de Estágio (TCE) entre esses e o estudante. Por fim, o cadastro é organizado
pelas instituições de ensino ou pelos agentes de integração e depois
encaminhado às empresas para seleção.
Contexto
histórico
A
institucionalização do estágio ocorreu em plena ditadura militar por meio de
uma portaria (1.002/67), baixada pelo então Ministro de Estado dos Negócios do
Trabalho e Previdência Social, Jarbas Passarinho. Com finalidade
didático-pedagógica, o estágio deveria preparar o "estudante-obreiro"
para o mercado do trabalho, desenvolver suas competências técnicas e suas
competências interpessoais e sociais.
Hoje, para
alguns especialistas em direito do trabalho, o estágio representa mais uma
flexibilização das leis justrabalhistas em função das mudanças ocorridas no
mundo no final da década de 60 do século passado, e que alterou as relações
entre capital e trabalho. Desde então, fatores como políticas neoliberalistas,
globalização e desfragmentação de postos de trabalho em razão, entre outros
fatores, da automação, estariam a exigir dos mercados uma adequação do
ordenamento jurídico trabalhista, tendo em vista a necessidade de uma nova
estrutura de produção.
No final do
século passado, as indústrias passaram a impor o modelo de produção japonês,
toyotista, que jogou o modelo americano no chão e colocou o trabalhador num
patamar de alto padrão tecnológico, células de produção e necessidade de
atualização e qualificação permanentes. Com a mudança teriam surgido fenômenos
no mundo do trabalho como terceirização e os estágios.
Bancos versus
Estagiários
As ações na
Justiça do trabalho referentes a reconhecimento de vínculo empregatício
aumentam a cada ano, e os bancos costumam ser os maiores litigantes. As
entidades reclamam que algumas decisões ferem a Constituição da República
quanto ao princípio da igualdade, por equipararem um estagiário ao funcionário
público concursado, treinado e que presta serviços de maior complexidade e
responsabilidade.
Já os
estagiários queixam-se dizendo que na prática realizam os mesmos serviços que
os empregados formais, mas não tem iguais benefícios. Alegam também desvio da função do estágio por
realizarem tarefas em desacordo com seu curso em formação. Segundo eles, muitas
empresas utilizam-se do estágio para contratar estudantes a fim de desempenhar
atividades típicas de empregados, sem cumprir as regras exigidas para a
caracterização do estágio, tudo para
reduzir os custos, o que se traduziria em fraude à legislação trabalhista.
A busca pelo
direito
Regulamentada
pela Lei n.º 11.788/2008, a relação entre as empresas contratantes e
estagiários costuma ser delicada, uma vez que no decurso do estágio se
verificam circunstâncias comuns à relação de emprego, tais como a pessoalidade,
a subordinação, a habitualidade e mesmo a onerosidade. Também o fato de
existirem peculiaridades entre estágios em empresas privadas e os realizados na
administração pública, direta e indireta, todos regidos pela mesma lei, costuma
gerar conflitos trabalhistas.
Em setembro
de 2011, o Estado da Bahia foi condenado ao pagamento de indenização por danos
morais coletivos, no valor de R$ 150 mil reais, pela contratação irregular de 6.480
estagiários. Em sua maioria, menores de idade, estudantes da rede pública, que
foram contratados como atendentes e conferentes para trabalhar no processo de
matrícula das escolas públicas. O caso foi considerado fraude ao instituto de
estágio, e a quantia foi revertida para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Noutro caso,
um estagiário que cursava Engenharia Civil, mas teve de abandonar o curso por
problemas pessoais, conseguiu na Justiça do Trabalho comprovar o desvio de
função. Na época, disse que levou à empresa a informação, mas que não houve
alteração da modalidade de contratação. O estudante afirmava continuava a
exercer as funções de assistente de engenharia, na qualidade de empregado
comum. Neste caso, segundo o parágrafo 2º, Artigo 3º, da Lei do Estágio, a
conclusão e o abandono do curso, ou trancamento de matrícula, são eventos que
descaracterizam a condição legal de estagiário, podendo gerar vínculo
empregatício.
Quando o
estagiário passa a ser empregado
O estudante
que estagia em empresas privadas, diferente daquele de empresas públicas, tem a
possibilidade de ter reconhecido o vínculo de emprego com a empresa. Foi o que
aconteceu com Áureo Soares de Souza. Estudante de engenharia agrônoma da UFG,
ele entrou como estagiário aos 18 anos numa empresa de laticínios para vaga de
estágio em Engenharia de Alimentos. Aos 21 anos foi contratado pela empresa, e
hoje, aos 28 anos, já responde pela Gestão Estratégica de Custos na Indústria,
comandando 15 funcionários. Para o profissional, o segredo é ser coerente
dentro do quer na empresa, seriedade e manter-se sempre atualizado.
Já a
jornalista Priscilla Peixoto, começou como estagiária em uma rádio, mas conta
que o acesso ao estágio na empresa não foi muito fácil. "Eu era estudante
de Jornalismo, estava no sétimo semestre da faculdade, já tinha feito outros
três estágios, mas a pressão e a vontade eram enormes". Priscilla lembra
que passou por provas escritas de português, inglês e conhecimentos
específicos, exames práticos e avaliações de apuração de notícias. Depois de
nove meses de estágio, surgiu uma vaga para trainee e, prontamente, seus chefes
a indicaram para a função. Cinco meses depois, foi promovida a repórter.
Para a
ex-estagiária, dedicação, interesse e
saber trabalhar em equipe são fundamentais para ser visto como um
profissional. Hoje ela se sente mais
experiente, mas acredita ser possível um estagiário se destacar ou ajudar mais
que um profissional. "Vai muito da dedicação e disposição de cada
um", finaliza.
Xingamentos e
Office-boys de luxo
Quem já foi
estagiário ou já trabalhou com algum sabe que são comuns chacotas e
implicâncias no ambiente de trabalho. Mas hoje em dia essa prática está cada
vez mais distante. Não são poucas as ações que chegam à Justiça do Trabalho com
pedidos de indenizações por dano moral contra empresas. Em ação ajuizada contra
a Cia de Bebidas das Américas -AmBev, Ricardo Pires Abreu, um estagiário de
Curitiba (PR), conseguiu na Justiça do Trabalho o reconhecimento de dano moral
por ter sido destratado por seu supervisor, que o xingava de "burro,
imbecil e incompetente". A empresa foi condenada pela 17ª Vara de Curitiba
a pagar ao estagiário uma indenização no valor de cinco vezes o maior salário
por ele percebido.
Há cinco
meses estagiando num grande escritório de Brasília, a e studante do 5º ano de
direito, Gabriela Serra, acredita ser possível aproveitar o estágio para se
qualificar. "Para a maioria dos estudantes, o estágio é apenas uma forma
de não ficar parado e ganhar um dinheiro". Segundo ela, o estágio tem
ajudado inclusive a compreender melhor o curso, além de estabelecer contatos
com os profissionais. "Isso é fundamental". A universitária diz que a
quantidade de trabalho é uma realidade e diz não se importar com aqueles que
dizem ser o estagiário de Direito um office-boy de luxo. Ela prefere ser
realista quanto às exigências do primeiro emprego, "é normal que no
primeiro emprego a gente trabalhe mais mesmo".
Veja na
reportagem de amanhã quanto ganha em média um estagiário e uma entrevista com o
ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Pedro Paulo Manus, que diz que para
combater a fraude é preciso ter uma constante vigilância das condições em que o
estágio é prestado.
Fonte: TST
Em
entrevista, ministro Pedro Paulo Manus fala sobre a situação do estágio
supervisionado no país
Quanto deve
ganhar um estagiário? Na segunda parte da matéria especial sobre o estágio
supervisionado, discutimos a questão. Leia ainda uma entrevista com o ministro
do TST Pedro Paulo Manus.
A chamada
"Lei do Estágio" não determina especificamente valor ou forma de
pagamento da bolsa-auxílio. Segundo as instituições de estágio, o valor pode
contribuir para manter esses estudantes no curso. Isso porque muitos
estagiários não conseguem concluir e abandonam o curso por falta de condições
financeiras. A Constituição Federal prevê a hipótese de pagamento de piso
salarial (bolsa-auxílio) proporcional à extensão e a complexidade do trabalho.
No Brasil, as melhores bolsas-auxílio, separados por nível, são nos cursos de
Economia, R$ 1.089,57; Engenharia, R$ 1.053,40 e Secretariado Executivo
Trilíngue, R$ 1.009,53. Quanto aos benefícios, os estagiários, além da bolsa,
têm direito a auxílio-transporte, recesso remunerado, entre outros benefícios.
A carga horária é de 6 h diárias 30 h semanais, e o tempo máximo de estágio na
empresa são dois anos.
ENTREVISTA
COM MINISTRO PEDRO PAULO MANUS (TST):
Ministro,
estágio é emprego?
Poderíamos
inicialmente dizer que estágio é trabalho, mas não emprego. Emprego é aquele
regulado pelos arts. 2º e 3º da CLT. Aquele que faz um contrato de estágio não
celebra um contrato de emprego. O espírito da Lei que disciplina o estágio
(11.788/2008) é que ele seja uma complementação do processo de aprendizagem do
jovem estudante. Ou seja, uma sequência do processo educacional, visando no
futuro a inserção do jovem no mercado de trabalho. Portanto, para ser um
contrato de emprego precisaria ter características que a CLT estabelece. Mas do
ponto de vista genérico o estagiário é um trabalhador.
Para algumas
pessoas, o estágio representa uma das principais oportunidades de capacitação e porta para ascensão
profissional e social; para outros, já não cumpre essa função, está mascarado e
vem afrontando a lei. Como o Senhor avalia isso?
Vejo com
muita preocupação porque a ideia é essa - que o estágio seja a porta para
ascensão profissional e social para o jovem trabalhador. A importância do
estágio se dá sob várias medidas. O jovem que faz um estágio começa a tomar
contato com o mundo do trabalho, prevê umas linhas básicas de conduta, passa a
ter uma disciplina profissional, ter uma hierarquia, cada um tem uma função
específica, cota de trabalho, horário para entrar e sair. O meu primeiro
trabalho foi como estagiário do Ministério Público do Trabalho da Segunda
Região. Eu estava no quarto ano da faculdade de Direito, e fiz estágio no
quarto e no quinto. Uma das atribuições era dar assistência judiciária para
meninos e meninos cujo pai ou responsável não estavam presentes. Eu aprendi
muito, comecei a ter contato com profissionais da área, procuradores,
servidores, enfim. Foi ali que eu despertei para o Direito do Trabalho. Mas, é claro, muitos jovens são vítimas de
empresas que não cumprem essa função, tem esse mascaramento, ou seja, se utilizam
de mão de obra mais barata, em vez de contratar um trabalhador
Os processos
que chegam ao TST em sua maioria se referem a pedido de reconhecimento de
vínculo de emprego com a empresa contratante. Quais erros existem na relação
entre estagiários e empresas que dão azo a esses conflitos?
No fundo, o
conflito surge por não se deixar claro qual a natureza dessa relação. No
Direito do Trabalho existe contrato de trabalho ou não dependendo das condições
em que esse serviço foi prestado. Se eu prestar serviço para você de natureza
pessoal, contínua, habitual, subordinada eu sou empregado. Se o trabalhador
disser: eu trabalho como empregado, mas não quero ser registrado, para lei isso
não é possível. Muitas vezes a admissão de boa-fé, o jovem é contratado, para
aprender, etc., mas, para que isso aconteça, a lei de estágio dá
especificidades, se for de nível médio ou de nível superior não pode trabalhar
mais de 6 h ou 30h por semana, por exemplo. Também é preciso que o estagiário
esteja cursando a escola regularmente, ou seja, tem de haver uma simetria entre
o que faz na escola e o que se faz no estágio. Se houver um disvirtuamento, se
o tomador não tomar esses cuidados, aos poucos o jovem deixa de trabalhar como
estagiário e passa a trabalhar como empregado, tendo que fazer um contrato
específico. É comum reclamações de que ter sido admitido como empregado, mas
sob o rótulo de estágio. Muitas vezes o jovem não fez estágio nenhum. Então, a
Justiça do Trabalho tem de dizer, diante dos fatos, se essa pessoa era
empregado ou não. Portanto, o erro seria não observar as regras da lei do
estágio. É claro que o próprio estagiário muitas vezes tem aquele ímpeto de
fazer mais o que deve, de aprender, fica além do horário. Mas não pode, a lei
diz quais são os procedimentos, as limitações, o horário de trabalho etc. É
preciso ter uma constante vigilância das condições que o estágio é prestado. Do
contrário, esse tomador é um candidato a perder um processo na Justiça do
Trabalho.
Estamos no
TST desenvolvendo o Programa Trabalho Seguro para prevenir acidentes com
trabalhadores. Ao estagiário também se aplica a legislação relacionada à
segurança do trabalho?
Aplica-se,
sim, porque a obrigação de observância às normas de segurança e medicina de
trabalho e prevenção de acidentes diz respeito não só aos contratos de emprego,
mas ao trabalho geral. Todo aquele que presta serviço deve estar protegido por
um seguro de acidentes. Eu contrato alguém para pintar a minha casa, o correto
seria perguntar ao trabalhador: o senhor é registrado na previdência? Cadê sua
inscrição no INSS? Aí ele pensaria: esse homem quer que eu pinte a casa dele ou
quer me fiscalizar? O problema é que se ele cair da escada e quebrar a perna e
não tiver a proteção da previdência, eu que sou o tomador de serviço é que vou
pagar. E claro que, no dia a dia, a gente não faz isso. Mas em uma empresa não
é concebível que seja assim. Portanto, seja qual for o tipo de prestador de
serviço, aquele que agir de maneira ilícita e prejudicar terceiro vai se
responsabilizar com indenização devida. No caso do estagiário, às vezes o jovem
é arrimo de família e morre na prestação dos serviços. Se for comprovado nexo
causal, a família pode reivindicar uma indenização. Isso vale para o empregado,
art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, mas vale para os trabalhadores em
geral. É a mesma regra que se aplica no contrato de trabalho.
É comum
brincadeiras jocosas com estagiários no ambiente de serviço. O que modernamente
poderia ser considerado assédio moral. Um estagiário pode pleitear indenização
se sentir ofendido?
Da mesma
forma que o dano material, é algo que não está restrito ao uso do contrato de
trabalho, ao contrario, é um instituto do direito civil que se aplica ao
Direito do Trabalho, como se aplica ao Direito Administrativo. O estagiário não
é empregado, mas é uma pessoa física que presta serviços, num determinado
ambiente de trabalho para um tomador de serviços. Se ele for vítima de um ato
reputado ilícito que tenha nexo entre a prática do ato e o prejuízo sofrido por
ele, e esse prejuízo alcançar o patrimônio imaterial, que é a honra, a
intimidade, por exemplo, isto pode configurar um dano moral. O estagiário, caso
entenda que está sendo assediado, na falta do sindicato que o represente, pois
condição de estágio não é profissão, ele pode ser valer do orientador do programa,
para um advogado, um defensor público para reclamar seu direito.
O estágio
remunerado é mais um fenômeno surgido das relações capital e trabalho, assim
como a terceirização, é possível compará-los?
A
terceirização, em si, como instituto, não acho nocivo, mas por experiência
prática ela sugere uma forma de baratear a mão de obra. Nesse sentido ela algo
negativo, pelos efeitos que provoca de precarizar as condições de trabalho e
aviltar o trabalhador. Já o estágio é diferente, tem a virtude de despertar, no
complemento do processo educacional, o jovem para o mercado de trabalho, como
se expandisse seu currículo na formação do estudante. Sem dúvida que o estágio
pode ser também uma forma de precarização se funcionar indevidamente, e que
existem empresas que se valem de mão de obra barata sob o falso rótulo de
estágio, mas uma terceirização típica e um estágio típico são completamente
diferentes. Um está falando do mundo do trabalho outro do mundo do ensino. O
instituto da terceirização já tem pecha de fraude, não se pode deixar que
aconteça o mesmo com o instituto do estágio. O estágio é sempre algo benéfico.
Fonte: TST
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