A jornalista
Eliane Cantanhêde e a Folha da Manhã S.A. não conseguiram reverter decisão que
as condenou em R$ 100 mil por ofensas a honra de juiz em artigo. A Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, negou provimento ao
recurso das rés.
No artigo "O
lado podre da hipocrisia", Cantanhêde afirmava: "Já que a lei não
vale nada e o juiz é 'de quinta', dá-se um jeito na lei e no juiz. Assim, o
juiz (...) aproximou-se do governo e parou de contrariar o presidente, o
compadre do presidente e a ministra. Abandonou o 'falso moralismo' e passou a
contrariar a lei."
O caso tratado era
a recuperação judicial da Varig. Segundo as rés, o artigo criticava a postura
do governo, havendo mera citação secundária do magistrado. O Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), porém, entendeu que a afirmação denota
subserviência do magistrado "a interesses escusos do Poder Executivo
federal" e "incute nos leitores, indubitavelmente, uma conduta
leviana, de falta de independência funcional".
"No caso
concreto", segue a decisão estadual, "a matéria jornalística
impugnada não pode ser considerada exercício regular de um direito, já que
extrapolou a crítica mais dura, mais incisiva, mais mordaz."
Abuso de direito
Para o ministro
Villas Bôas Cueva, o exercício da atividade de imprensa é imprescindível ao
estado democrático de direito. "Não há sociedade democrática sem uma
imprensa livre", afirmou.
O relator destacou
que a crítica jornalística é direito legitimado pelo interesse social,
"sobrepondo-se, inclusive, a eventuais suscetibilidades que possam revelar
as pessoas públicas".
Porém, ponderou,
há abuso de direito quando se invade a intimidade ou se deprecia a honra ou a
dignidade de outras pessoas. Segundo o ministro, ainda que o texto seja
opinativo, a crítica deve ser objetiva, "não se admitindo ataques
puramente pessoais, desprovidos tanto de embasamento quanto de conexão
demonstrada com a realidade, ou que visem simplesmente a atingir a honra ou a
imagem da pessoa objeto dos comentários".
Ironia e acidez
"O texto em
debate, já numa primeira leitura, chama atenção por extrapolar os limites da
objetividade, os quais em certos casos comportam o uso de expressões ácidas e
irônicas e até adjetivos desabonadores. De fato, a matéria publicada, apesar de
se tratar de uma opinião, é tendenciosa", afirmou o relator.
"O artigo não
deixa dúvida de que as rés desbordaram do direito de informar e afastaram-se do
interesse público e social, ao se voltarem diretamente contra o autor [da ação,
o juiz], de maneira ofensiva e não consubstanciada em fato, atribuindo-lhe, não
sem antes identificá-lo e individualizá-lo, conduta ilegal, ímproba e
imoral", acrescentou.
Prevaricação
Para o ministro, o
artigo concluiu que o juiz abdicou de seus deveres legais e exigências
profissionais por motivos políticos, conduta grave que iria além de sua pessoa,
implicando em sua atuação profissional.
"É que a
matéria jornalística imputa ao magistrado prevaricação, exercício do cargo de
forma ilegal e tendenciosa, parcialidade em processo judicial e prática de atos
ilícitos, o que, irrefutavelmente, atinge-lhes a honra", completou o
ministro.
"Não se trata
aqui, repisa-se, de mera opinião jornalística a ser incondicionalmente
protegida com fundamento na liberdade de expressão, mas de texto jornalístico
no qual, a pretexto de criticar o governo federal, é formulada grave acusação
contra servidor público, de cunho extremamente lesivo a seus direitos de
personalidade", afirmou. Para o relator, mesmo as criticas, opiniões e
crônicas devem ser vinculadas aos fatos e, portanto, verazes.
Quanto ao valor da
condenação, o ministro considerou que o montante é respaldado pela
jurisprudência do Tribunal, não sendo absurdo a ponto de autorizar intervenção
do STJ para reduzi-lo. A Turma também não admitiu recurso do magistrado, que
pretendia aumentar a indenização, por não ter sido comprovado o recolhimento do
preparo.
REsp 1308885
Fonte: STJ
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