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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Alemanha: Líder dos patrões e chefes dos sindicatos revelam segredo para acordos

Saiba como se constroem entendimentos entre patrões e trabalhadores na maior economia da Europa.
A ideia inicial era fazer uma entrevista individual a cada um: primeiro, Rainer Hoffmann, que está à frente da Confederação dos Sindicatos Alemães (DGB); depois Markus Kerber, um líder do patronato e secretário-geral da Associação Federal. Mas quando o Diário Económico conheceu os dois dirigentes, que já estavam à conversa, Hoffmann e Kerber nem hesitaram em aceitar o desafio de se sentarem à mesma mesa e trocar pontos de vista em conjunto.
Qual é o segredo para ter tão boas relações entre patrões, sindicatos e Governo?

Rainer HOFFMANN: Primeiro, é importante sublinhar que especialmente durante a crise, em 2008 e 2009, tanto as confederações patronais, como os sindicatos, assumiram seriamente a sua responsabilidade de salvar os postos de trabalho para ultrapassar a crise, criando um número de instrumentos em colaboração próxima com o Governo. Por exemplo, olhamos para a situação económica de uma empresa e, se a sua situação o justifica, durante um período limitado a empresa pode prolongar ou reduzir as horas de trabalho. Criámos instrumentos para reduzir os salários durante um período limitado de tempo. Temos também o trabalho de curta duração, que foi prolongado de 12 para 24 meses.
Segundo, devemos ter em conta que temos relações sociais relativamente estáveis ao nível das empresas. A participação dos trabalhadores acontece em dois níveis: o de base, em que os representantes dos trabalhadores estão em contacto directo com os empregadores; e a "codetermination", em que os trabalhadores estão no conselho de supervisão, juntamente com os donos das empresas. Aqui são discutidas as questões estratégicas da empresa e são dados conselhos sobre medidas a tomar. Este sistema é baseado numa espécie de entendimento comum e de confiança. É duradouro e não se pode desenvolver ou instalar de um momento para o outro. É de alguma forma o segredo para termos relações de confiança, o que não quer dizer que não tenhamos conflitos. A questão é saber como lidar com esses conflitos. É preciso respeito mútuo, sentarmo-nos à mesa, ouvir qual é o problema, verificar se temos o mesmo entendimento, se conseguimos chegar à mesma análise da situação económica do país. E se isto for uma base sólida, certamente que conseguimos disputar sobre as melhores formas para ultrapassar o problema.
Por último, o princípio da unidade no movimento laboral, que é ter organizações chapéu. Não quer dizer que todos os sindicatos estejam sempre de acordo, mas actuar como uma organização coesa faz certamente diferença. Esta foi a conclusão que tirámos da segunda guerra mundial, porque antes disso o movimento laboral na Alemanha estava dividido. Foi uma lição muito importante que não devemos desvalorizar. Isto tem que ver com o facto de termos relações estáveis com os representantes das empresas, mas também com partidos políticos. Mesmo que se tenha uma relação profunda com um partido, por exemplo eu sou membro do partido democrático, é importante que enquanto confederação sindical seja capaz de trabalhar de forma decente, não apenas tacticamente, com todos os partidos políticos.
Markus KERBER: Tem de ser dito também que quando o sistema foi introduzido, há cerca de 40 anos, houve alguma luta entre as nossas duas organizações. Willy Brandt foi o primeiro chancelar social democrata do pós-guerra e foi quem introduziu a "codetermination", contra a vontade da maioria dos empregadores e industriais alemães. Nos primeiros 10 a 15 anos, houve numerosas tentativas das organizações de empregadores de reverter este sistema. Esta grande história de sucesso está a acontecer nos últimos 20 anos. Os sociais democratas eram acusados pelos trabalhadores do leste de não ser suficientemente de esquerda. Por isso Brandt e a sua equipa tiveram de inventar algo que nenhum outro líder socialista na Europa do leste tivesse feito. Não sei se foi propositadamente ou à sorte, mas inventaram um sistema chamado "codetermination" que acabou por ser o factor número um do sucesso do país, contra a vontade dos industriais. Hoje em dia, se falar com as 30 maiores empresas ou com a grande maioria das empresas mais pequenas e familiares, já não querem viver noutro sistema. Porque comparado com as empresas espanholas, italianas, portuguesas, muitos dos conflitos internos são resolvidos por cavalheiros como Rainer Hoffmann, que se sentam à mesa e negoceiam a solução. Seja ao nível sectorial - indústria química, farmacêuticas, aço - ou só para uma empresa.
A empresa terá de partilhar mais informação com os sindicatos e os trabalhadores.
KERBER: Eu sento-me no conselho de supervisão do Commerzbank, o segundo maior banco do país. 50% dos supervisores do banco são trabalhadores e representantes sindicais. Tenho de discutir a estratégia do Commerzbank com 10 senhoras e cavalheiros que gerem um dos ramos da empresa, que estão atrás do balcão, que têm a experiência diária da actividade do banco.
E isso é uma vantagem ou uma desvantagem?
KERBER: Tem certamente desvantagens no que toca à minha gestão do tempo. Mas tem a enorme vantagem de ter mais pontos de vista pelos quais avaliar um problema. Regularmente os representantes dos trabalhadores e os sindicalistas tomam partido e impedem-me de ser demasiado optimista ou pessimista. Muitos dos representantes sindicais em França ou na Itália diriam: "OK, mas veja a evolução dos salários na Alemanha". Mas na Alemanha há um consenso social que considera preferível ter emprego pleno do que maximizar os salários a todo o custo. Esta é uma discussão que precisa de acontecer na Europa: onde está o meio caminho entre a maximização dos salários e um certo grau de segurança no emprego.
Como avaliam a situação em Portugal: o país já tem os salários abaixo da média, e também já tem um desemprego muito elevado. Como se resolve este problema?
HOFFMANN: primeiro é preciso avaliar qual é a razão da crise. Se analisarmos o problema, penso que ambas as partes, patronato e sindicatos, concluímos que falta investimento. Através do investimento conseguimos perspectivas de crescimento e emprego. Esta é uma das fraquezas da união monetária. O BCE tem sido bem sucedido, mas apenas para política monetária. As políticas orçamentais, estruturais, industriais e uma combinação de políticas pode criar uma base sólida para a Europa e para regiões específicas regressarem ao crescimento. Não sou contra ter flexibilidade no mercado de trabalho, mas para isso temos de combiná-la com alguma segurança. Isto era uma promessa da comissão europeia da intitulada Estratégia de Lisboa. Já passaram 14 anos. A experiência de muitos trabalhadores é que a flexibilidade é muita, mas falta a segurança. Este equilíbrio é fácil de pedir mas difícil de fazer. O que precisam de ter para implementar isto, e na Alemanha temos essa experiência, é um diálogo decente entre parceiros sociais e governo.
KERBER: Nos últimos 20 anos, os países do norte da Europa (Holanda, Alemanha, Reino Unido) estavam todos a cortar o peso do sector público. Ao mesmo tempo os empregos que estavam a ser cortados do sector público estavam a ser absorvidos pelo sector privado. Isto parece muito complicado em Portugal, Itália e Espanha.
Não está a acontecer...
KERBER: O que ouço é que há tanta burocracia para criar um negócio que o sector privado não consegue e não cria empregos suficientes. Precisamos de acreditar que o sector privado consegue criar empregos muito bem pagos. Passo a maior parte do verão em Espanha e é muito esquisito ver que não existem empresas de dimensão média em quantidade suficiente, com cerca de mil trabalhadores. Se não estão a ser criadas, talvez algumas empresas do norte da Europa devessem criar subsidiárias suas aqui, porque o talento está disponível por toda a Europa. Mas como posso abordar o governo português ou espanhol sem parecer arrogante? Depois olha-se para o modelo sueco ou dinamarquês e têm exactamente o contrário, estados grandes, com impostos muito elevados e as suas economias também estão a crescer. Porquê? Porque as suas sociedades estão totalmente satisfeitas com uma distribuição igualitária da riqueza.
HOFFMANN: Não se pode simplesmente copiar um modelo e implementá-lo num país. Pode-se retirar alguns elementos, mas será preciso criarem o vosso próprio modelo com as vossas próprias considerações.
A legislação laboral em Portugal continua a ser um problema? A Alemanha tem os mini-jobs, Portugal não tem.
HOFFMANN: Aqui teremos provavelmente pontos de vista diferentes. Se olharmos para a Agenda 2010, temos algumas questões que foram necessárias e bem feitas. Mas na Alemanha temos um aumento nos segmentos de baixos salários - cerca de 20% da força de trabalho está a ganhar menos de 8,5 euros por hora. É a precarização do trabalho, é por isso que estamos a introduzir o salário mínimo pela primeira vez na Alemanha. Se olhar para as recomendações da OCDE, até eles são da opinião de que a rigidez do mercado de trabalho não é o problema número um. Temos de ser cuidadosos. Ter mais flexibilidade e segurança é a direcção certa, mas na Alemanha fomos longe de mais no lado da flexibilidade e isto conduz a uma segmentação do mercado de trabalho que não é vantajosa e que temos de corrigir. Não estou familiarizado com os detalhes em Portugal, mas a minha recomendação é que isto é uma questão que devemos aprender da Alemanha. A reforma tem de ser discutida entre os parceiros sociais e se houver acordo torna-se muito mais efectiva. Mas para isso é preciso precondições e uma delas é uma base de confiança entre os diferentes parceiros.
KERBER: Só conheço a situação em Espanha e Itália. Antes da reforma laboral, o que me explicaram é que era praticamente impossível despedir um trabalhador a partir de uma determinada idade. Isto conduzia à situação bizarra de quem tem 25 ou 30 anos praticamente não conseguia trabalho. Todos os jovens tinham contratos de seis meses, sem quaisquer direitos, era um mercado de trabalho completamente separado do dos trabalhadores com 55 anos. Mesmo que se pagasse 100 mil ou 200 mil euros de indemnização para despedir não era legal. Isso é bizarro! Na Alemanha, as regras também são estritas. Se eu quiser despedir 10% da minha força de trabalho, tenho de fazer um acordo com ele [aponta para Hoffman]. Tenho de negociar os termos em que um despedimento pode acontecer e ele tem uma palavra muito forte a dizer sobre quem são as pessoas escolhidas.
Os trabalhadores têm uma palavra. Os representantes sindicais têm de aceitar que o despedimento é economicamente necessário e que todos os outros caminhos foram tentados. Se o sindicato aceitar que a única forma de a empresa se manter viável é o despedimento, então o sindicato e os representantes das comissões de trabalhadores vão escolher a lista de pessoas. Se eu aceitar a lista, os despedimentos começam. Mas vão negociar duramente connosco quem serão as pessoas, qual a indemnização a que terão direito, se poderão regressar caso a situação económica da empresa melhore. Este processo, apesar de ser amargo, garante a "paz empresarial". As pessoas que são afectadas, o mínimo que pedem é que seja justo, e que os seus interesses tenham sido ouvidos e tidos em conta.
Quando chego a outros países vejo processos que nenhum empregador gostaria de ter. Provoca tanto descontentamento em quem fica que a sua produtividade cai a pique. Já atravessei um processo destes e não é fácil, não é agradável, mas pelo menos há o sentimento de que é relativamente justo e que há um perímetro de segurança à volta das pessoas que podem ter dificuldades das quais eu, enquanto CFO, nunca me aperceberia. Por exemplo, pessoas com dificuldades em casa, com pouca probabilidade de encontrar outro emprego, porque têm de viajar muitos quilómetros para voltar para casa. Por exemplo, nunca saberia de casos como o de jovens que dizem aos sindicatos que não se importam de fazer parte da lista porque até já têm outro emprego em vista e assim até ganham uma indemnização. O processo é duro, mas é civilizado.
Seria possível manter esse nível de entendimento se fosse preciso aplicar medidas de austeridade tão duras como em Portugal?
KERBER: Em 2008 e 2009 sentimos que houve mais tensão.
HOFFMANN: tendo em conta que temos instrumentos para trabalhar juntos com confiança isso torna a questão mais fácil.
KERBER: Quando introduzimos a agenda 2010, havia tensão social na Alemanha. O acordo que foi conseguido implicou que os sindicatos abdicassem de reivindicar mais, entre 2005 e 2007. Mas logo depois da crise financeira chegaram-se à frente e disseram "agora é a nossa vez, nós queremos aumentos acima da média". Nós não achámos muita graça, mas o que poderíamos fazer? Comparativamente a outros países europeus, tinham um argumento válido.
Por Margarida Peixoto, 25/06/2014

Fonte: http://economico.sapo.pt/noticias/lider-dos-patroes-e-chefe-dos-sindicatos-revelam-segredo-para-acordos-na-alemanha_196262.html

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