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segunda-feira, 24 de março de 2014

História: Aconteceu democracia no Brasil?

“A monarquia constitucional foi admitida como instrumento de preservação do escravismo. É claro que se esperava que a casa real europeia ajudasse no reconhecimento da jovem nação. Mas a fórmula centralizada foi aceita porque a unidade jurídica era essencial para evitar que uma província liberal abolisse unilateralmente a escravidão. Eis o segredo da unidade territorial brasileira, enquanto a América espanhola se esfacelava. Eis o limite da democracia coroada.
Menos de 1% da população exerceu efetivamente o direito ao voto. Mas a grande questão ao longo de todo o império foi a tensão da centralização. Na colônia, as províncias nem sequer tinham tradição de se reportar a uma capital. A Inconfidência foi mineira, não brasileira. Os pernambucanos de 1817 defendiam uma confederação. O tema voltou logo após a outorga da centralizadora Constituição de 1824, com a eclosão da Confederação do Equador. Em 1828, o Uruguai tornou-se independente do Brasil. No Pará, a Cabanagem (1835-1840) derivou em guerrilha rural, matando 20% da população. Na Bahia, a Sabinada, em 1837, sublevou tropas militares e a miuçalha urbana. A Balaiada, no Maranhão (1838-1841), virou guerrilha popular. No Sul, a Farroupilha (1835-1845), controlada pela elite, constituiu uma república. E há quem diga não ter o Brasil tido uma história cruenta.
Democracia de fachada
O risco de rebelião das massas e de desmembramento era tamanho que se aceitou o Poder Moderador como árbitro do sistema parlamentar. O Segundo Reinado conseguiu estabilidade, progresso econômico e liberdade de imprensa. Mas, sem poder conciliar liberalismo e escravidão, o império nunca aprovou um Código Civil, promulgado apenas em 1917.
Abolida a escravidão, a unidade jurídica perdeu razão de ser. Um golpe proclamou a república em 1889. Instituiu-se a federação, mas a autonomia só valeu para estados ricos e armados. E a remoção do Poder Moderador expôs toda a brutalidade da fraude eleitoral. Sem válvula de escape, a elite se engalfinhou. A Revolução Federalista (1893-1895), conectada à Revolta da Armada, bombardeou o Rio de Janeiro, conflagrou três estados, envolveu nações estrangeiras e formou um governo paralelo na hoje Florianópolis.
Presidencialismo com democracia de fachada. Basta dizer que a pena de morte e os castigos corporais continuavam aplicados na surdina, como informa a Revolta dos Marinheiros, de 1910, e a tragédia do navio Satélite, quando os oficiais se vingaram dos amotinados jogando-os ao mar ou abandonando-os na selva. Mas o que esperar de uma república que, em 1897, se lançara a massacrar o povo pobre e sertanejo de Canudos, por temê-los restauradores?
A república inaugurou o mito de que as rupturas seriam democráticas. O estado de sítio e a ameaça golpista tornaram-se recorrentes, coroados por 1964, que se pretendeu revolução democrática. Verdade que a esquerda não era santa: Brizola defendera em 1963 o fechamento do Congresso. Mas havia avanços. A Revolução de 1930 modernizara a burocracia e trouxera a legislação trabalhista urbana, mas também a Justiça Eleitoral. Ainda assim, em 1962, apenas 24% da população adulta votou.
Entre o nazismo e o stalinismo, Getúlio Vargas achava o seu Estado Novo liberal. O regime pós-1964 censurou, cassou e torturou, mas conviveu com eleições. Prova não ser o voto universal condição suficiente para a democracia.

(AXT, Gunter. Democracia no Brasil: um breve histórico - Séculos de um sistema educacional precário inviabilizam o conhecimento das regras do jogo democrático pelos cidadãos. In. Dossiê CULT: A democracia e seus impasses, julho, 2012. p. 48-49)

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