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sábado, 2 de novembro de 2013

Os salários na China

Protesto dos trabalhadores da construção de Yunnan com os seus filhos, em 2012, exigindo o pagamento de 20 milhões de yuanes de salários em atraso
 Artigo do China Labour Bulletin
Os níveis salariais na China têm aumentado constantemente nas últimas duas décadas, a economia desenvolveu-se e o setor privado tem criado novas oportunidades de emprego. No entanto, as disparidades entre regiões geográficas, setores industriais e entre os altos executivos e os trabalhadores também aumentaram de maneira significativa, ampliando o fosso entre ricos e pobres. Por outro lado, os aumentos salariais para os trabalhadores pior pagos na China foram corroídos, com frequência, pelo aumento do custo de vida. O problema dos salários em atraso continua a ser um problema grave e sem ser resolvido em todo o país.
Disposições legais sobre as horas de trabalho e os salários
- A semana de trabalho padrão na China é de 40 horas (oito horas por dia, cinco dias por semana).
- A Lei do Trabalho de 1994 estabelece que as horas extraordinárias serão pagas por qualquer trabalho que exceda as horas normais de trabalho e que as horas extraordinárias não poderão superar as três horas por dia ou as 36 horas por mês (artigo 41).
- O pagamento das horas extra não deve ser inferior a 150 por cento do salário de um empregado nos dias normais de trabalho; 200 por cento dos dias de descanso, e 300 por cento nas festas nacionais, como o Ano Novo Lunar (artigo 44).
- Os salários deverão ser pagos aos próprios trabalhadores em moeda de curso legal e de forma mensal. Dedução nos salários ou atraso no pagamento dos salários está estritamente proibido (artigo 50).
- O empregador deve pagar os salários aos trabalhadores durante as suas férias legais, na dispensa de casamento ou por falecimento de familiares(artigo 51).
O salário mínimo

O artigo 48 da Lei do Trabalho estabelece que o salário mínimo legal deve ser fixado num nível suficiente para satisfazer as necessidades diárias dos empregados. No entanto, não foi assim até março de 2004, quando o então Ministério de Trabalho e Segurança Social implementou o seu regulamento de salário mínimo e quando se definiram diretrizes para estabelecer um quadro de cálculo e de ajustamento do salário mínimo.
Os regulamentos estabelecem que os governos regionais devem determinar e ajustar o salário mínimo mensal para os trabalhadores a tempo completo tendo em conta:
- O custo de vida mínimo dos empregados locais e dos seus dependentes
- O índice de preços ao consumidor para os residentes urbanos
- As contribuições para os fundos sociais de segurança social e habitação pagos pelos empregados
- O salário médio dos trabalhadores na localidade
- O nível de desenvolvimento económico e da oferta e da procura de mão de obra na localidade.

Como os cálculos se baseiam nas condições locais, há uma ampla margem de níveis de salário mínimo em todo o país. Em geral, os maiores salários mínimos encontram-se nas regiões costeiras economicamente desenvolvidas e os salários mais baixos nas províncias centrais e ocidentais menos desenvolvidas. No entanto, os governos das zonas remotas, Tibete e Xinjiang, estabeleceram níveis de salário mínimo relativamente altos numa tentativa de atrair trabalhadores migrantes. Desde o dia 1 de maio de 2013, o salário mínimo mensal mais alto foi o de Xangai (1.620 yuanes), seguido de perto pelo de Shenzhen (1.600 yuanes). O salário mínimo mais baixo foi o da província central de Anhui (1.010 yuanes). Ver o mapa seguinte.
Fonte: MOHRSS

Níveis de salário mínimo mensal na China, por região.
O mapa mostra só os níveis dos salários mínimos mais altos dentro de cada província ou região. Cada região pode ter quatro ou cinco níveis de salário mínimo para os condados e distritos urbanos, e o fosso entre os níveis mais altos e mais baixos pode ser muito considerável. Em Guangdong (província de Cantão), por exemplo, o salário mínimo na capital provincial Guangzhou (Cantão, cidade) é de 1.550 yuanes por mês, mas o salário mínimo em Maoming, em grande parte rural, é só de 1.010 yuanes. Por outras palavras, o salário mínimo em Maoming é cerca de dois terços do de Guangzhou e é do mesmo nível que em Hefei, capital da província de Anhui.
O Regulamento recomenda que os salários mínimos devem ser estabelecidos entre 40 e 60 por cento do salário médio mensal e que os governos locais devem levar a cabo uma revisão de ajustamento pelo menos uma vez em cada dois anos (artigo 10). No entanto, em 2008, o governo central de Beijing anunciou o congelamento de todos os aumentos do salário mínimo no começo da crise económica global. Em princípios de 2010, as diferentes províncias começaram a elevar os seus salários mínimos outra vez, e desde então quase todas as regiões aumentaram os seus salários mínimos em várias ocasiões, com um incremento anual médio de cerca de 22 por cento entre 2010 e 2012. Em 2012, um total de 25 províncias aumentou o seu salário mínimo numa média de 20,2 por cento, segundo dados do Ministério de Recursos Humanos e Segurança Social (MOHRSS).
 Ver o mapa seguinte.
Fonte: MoHRSS
No Plano Quinquenal da China em curso (2011-15), o salário mínimo está previsto que aumente a uma taxa média de 13 por cento ao ano e, finalmente, chegar a 40 por cento do salário médio em cada região, segundo o sugerido pelo Regulamento de 2004. Atualmente, o nível do salário mínimo em muitas cidades está abaixo da percentagem de referência de 40%. O salário mínimo em Xangai em 2012 foi de 1.450 yuanes, cerca de 31 por cento dos 4.692 yuanes do salário médio mensal, segundo os cálculos do departamento municipal de recursos humanos e da segurança social. Em Beijing, o salário mínimo em 2011 foi de 1.160 yuanes por mês, cerca de 25 por cento dos 4.672 yuanes do salário médio. E na cidade de Chongqing no sudoeste da China, o salário mensal mínimo de 870 yuanes de 2011 foi igual a 26 por cento dos 3.337 yuanes do salário médio desse ano.
A nível internacional, o salário mínimo da China (nas cidades costeiras pelo menos) encontra-se agora na faixa média dos países asiáticos. Consulte a tabela seguinte. Ainda que os níveis salariais continuem a ser muito inferiores aos de Japão, Coreia do Sul e Singapura (os quais importam mão de obra da China), os salários dos trabalhadores das fábricas chinesas são agora significativamente mais altos que os dos trabalhadores das fábricas de Bangladesh, Vietname e Camboja. Isto tem dado lugar a uma transferência e deslocalização em grande escala das indústrias intensivas em mão de obra e baixos salários como vestuário, brinquedos e calçado para lugares de produção mais baratos. No entanto, a China continua a ser, de momento, a maior economia industrial da Ásia, e provavelmente do mundo.
Níveis de salário mínimo na Ásia (dólares dos EUA)

Desigualdade nos rendimentos
O salário médio mensal dos trabalhadores na China tem aumentado em cada ano durante a última década, segundo as estatísticas oficiais. No entanto, estas cifras ocultam grandes diferenças entre os diferentes grupos de trabalhadores, setores industriais e regiões geográficas. Os salários dos trabalhadores migrantes, em particular, têm ficado muito abaixo da média nacional. Um inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Estatística calcula que o salário médio mensal dos trabalhadores migrantes em 2012 era só de 2.290 yuanes, o que representou um aumento de 11,8 por cento em 2011. O salário médio global em 2011 foi de 3.500 yuanes, aproximadamente cerca de 75 por cento mais alto que o salário médio dos trabalhadores migrantes, 2.049 yuanes por mês. Ver o gráfico a seguir.
Salário Médio Mensal (Yuan)
Fonte: Instituto Nacional de Estatística, China Statistical Yearbook 2012

Também têm surgido diferenças salariais consideráveis entre os diferentes setores, o salário médio do setor financeiro é agora mais do dobro do salário médio na indústria e três vezes maior que na restauração e na hotelaria. Veja a tabela a seguir.

Fonte: Anuário Estatístico da China 2012
Além disso, existem disparidades importantes entre os salários mais altos e mais baixos em cada setor. É difícil obter dados fiáveis e completos sobre o quadro dos salários em cada setor, mas um estudo académico publicado em 2012 mostrou que os salários para os altos executivos foi de aproximadamente dez vezes o salário médio na China. O salário médio dos diretores gerais da amostra foi de 355.150 yuanes anuais em 2010, ou seja 9,7 vezes maior que o salário médio desse ano. Por outro lado, a diferença entre a retribuição de um conselheiro delegado e o salário médio aumentou consideravelmente nos últimos dez anos, passando de 4,4 vezes superior em 2001 para 9,1 vezes maior em 2005. Nas grandes empresas públicas, o salários dos altos executivos é de cerca de 700.000 yuanes anuais, ou seja cerca de 16 vezes o salário médio dos empregados das empresas públicas em 2011.
É importante assinalar aqui que os aumentos salariais para os trabalhadores com salários mais baixos na China nem sempre se têm traduzido em melhores condições de vida. Para muitas famílias de baixos rendimentos, os aumentos salariais são corroídos rapidamente pelos aumentos no custo de vida e os trabalhadores gastam uma parte substancial dos seus salários em necessidades básicas como a alimentação, a habitação, o transporte, o vestuário e as telecomunicações. Os aumentos salariais médios da última década têm sido cerca de dez pontos percentuais superiores à taxa geral de inflação, mas com frequência só cerca de cinco por cento mais altos que a taxa de inflação da alimentação. Ver o gráfico a seguir.
Média de aumento salarial e taxas de inflação

Fonte: Anuário Estatístico da China 2012
As cifras oficiais dos últimos cinco anos mostram que as famílias urbanas de baixos rendimentos da China gastam habitualmente cerca de 46 por cento do seu orçamento total em alimentação. E a despesa em alimentação das famílias de rendimentos médios é muito inferior, porque a nível nacional a despesa média foi de cerca de 36 por cento nos últimos cinco anos. Veja-se o gráfico seguinte.
A despesa em alimentação em percentagem da despesa total das famílias

Fonte: Anuário Estatístico da China 2008, 2009, 2010, 2011, 2012
Uma nova geração exige mais 
Os aumentos salariais dos últimos anos têm resultado, em boa parte, da pressão de uma nova geração de trabalhadores migrantes que já não estão dispostos a tolerar os baixos salários e as duras condições de trabalho que a geração dos seus pais teve que suportar.
Os trabalhadores mais jovens foram mais educados que os seus pais, têm maiores expectativas e aspirações, e estão bem mais conscientes dos seus direitos como trabalhadores. Além disso, agora têm a confiança, os meios e a capacidade para pressionar por salários mais altos. Quase todos os jovens trabalhadores têm acesso a Internet móvel e muitos são ativos nas redes sociais. Isto faz com que lhes seja possível difundir notícias em tempo real dos conflitos laborais, das suas reivindicações e das suas ações em apoio das mesmas. Isto por sua vez pode criar publicidade e exercer pressão sobre a administração e o governo local para resolver o litígio o mais depressa possível.
Um fator importante a ter em conta é que, como a taxa de natalidade na China diminui devido à política de um filho único, há cada vez menos trabalhadores jovens que se incorporam à força laboral. Enquanto que no passado parecia que havia uma fonte quase inesgotável de jovens trabalhadores migrantes à procura de emprego nas fábricas do sul, a oferta hoje tem caído muito abaixo da procura e os empregadores veem-se obrigados a oferecer salários mais altos, se quiserem recrutar novos trabalhadores e reter os empregados existentes.
Taxa de natalidade da China (%)

Fonte: Anuário Estatístico da China 2012
Em 2012, o número total de pessoas em idade de trabalhar na China reduziu-se pela primeira vez desde que começaram a haver registos, o que marca o começo de uma tendência que se espera que se acelere nas próximas duas décadas. O Instituto Nacional de Estatística anunciou em janeiro de 2012 que o número de pessoas entre 15 e 59 anos se situou em 937,27 milhões no final de 2012, uma queda de 3,45 milhões de pessoas em relação a 2011.
Os salários em atraso
Apesar dos trabalhadores em muitos sectores terem conseguido salários mais altos, a falta de pagamento ou o atraso dos mesmos, bem como o pagamento parcial, continuam a ser comuns, inclusive rotineiros, sobretudo na construção e na indústria. Os protestos dos trabalhadores contra os salários em atraso acontecem quase todos os dias em todo o país, mas especialmente nas semanas anteriores ao Ano Novo Lunar, quando os trabalhadores migrantes se preparam para ir a casa visitar as suas famílias. Os protestos são com frequência dramáticos, com trabalhadores a ameaçarem saltar de edifícios altos e de pontes, e manifestações massivas em frente aos edifícios do governo. Com o auge das redes sociais, muitos protestos têm-se tornado virais, como o dos trabalhadores da construção de Yunnan que protagonizaram um protesto com os seus filhos, em 2012, exigindo o pagamento de 20 milhões de yuanes de salários atrasados. E em janeiro de 2013, um grupo de trabalhadores da construção, inclusive recorreu à dança à Gangnam Style, em frente à discoteca que tinham construído, para exigir o pagamento dos seus salários.
O MOHRSS registou um total de 218.000 casos de atrasos salariais em 2012, um aumento de 7,5 por cento em relação ao ano anterior. Cerca de 80 por cento dos casos dão-se no setor da construção, e quase todas as vítimas são trabalhadores migrantes.
Em resposta a este enquistado problema, muitos governos locais e regionais têm introduzido um sistema de fundos de contingência e implementado vários mecanismos para garantir que os salários são pagos a tempo ou pelo menos acabam por ser pagos na totalidade. Estas políticas são coloquialmente conhecidas na China como os "dois fundos e os três mecanismos". Em 2011, os governos locais afirmaram ter ajudado a que 6,2 milhões de trabalhadores recuperassem cerca de dois mil milhões de yuanes de salários em atraso. Também em 2011, o Código Penal na China foi modificado para que a falta de pagamento fraudulenta dos salários seja considerada um delito criminoso. No final de 2012, tinham-se iniciado um total de 152 processos criminais, 134 tinham sido concluídos e tinham sido condenados 120 acusados. A maioria dos casos têm suposto, até agora, salários em atraso de mais de um milhão de yuanes, mas em maio de 2013, o Tribunal Superior de Henan anunciou que qualquer empregador com falta de pagamento de salários atrasados em mais de 8.000 yuanes ou por um período superior a três meses enfrentará sanções.
No entanto, as causas sistémicas dos salários em atraso - os controles de crédito, os estrangulamentos no crédito, e várias camadas de sub-contratação - continuam obstinadamente. Assim que endurece a concessão de créditos na China, os promotores imobiliários não conseguem pagar às empresas de construção, e as empresas de construção não pagam às empresas de subcontratação de mão de obra e os sub-contratadores não podem pagar aos trabalhadores. Do mesmo modo, dá-se uma queda da procura de bens manufaturados, os clientes rotineiramente atrasam ou não cumprem os pagamentos, os fabricantes não conseguem obter crédito do banco e assim começa a atrasar-se o pagamento dos salários.
Em casos muito graves, os donos das fábricas começarão a vender ativos, incluindo os utensílios da fábrica, antes de fechar sem aviso prévio e em fuga, deixando os trabalhadores sem outras opções que exigir ao governo local que os ajude. Na maioria destes casos, no entanto, os trabalhadores terão sorte se conseguirem um terço ou metade do dinheiro que lhes é devido.
Conclusão
A China já não tem uma fonte inesgotável de jovens trabalhadores do campo dispostos a trabalhar horas e horas nas linhas de produção por meros salários de subsistência. A escassez de trabalhadores, combinada com uma nova determinação e capacidade dos trabalhadores para se organizarem coletivamente tem significado que os fabricantes se viram obrigados a pagar salários mais altos ou, alternativamente, em alguns casos, fechar e deslocalizar para zonas de menor custo, como Bangladesh e Camboja.
Mas enquanto que os salários dos empregados das fábricas e outros trabalhadores de baixos rendimentos sem dúvida têm aumentado, esta taxa de aumento não tem ido a par com a dos assalariados de rendimentos mais altos, o que tem provocado uma maior disparidade de rendimentos na China. Por outro lado, o aumento do custo de vida tem feito com que pessoas de baixos rendimentos continuem a gastar uma percentagem desproporcionalmente alta do seu salário nas necessidades diárias tais como alimentação, habitação e transporte.
A luta contra o fosso cada vez maior entre ricos e pobres na China é agora uma das principais prioridades da nova direção de Beijing. Em fevereiro de 2013, o Conselho de Estado decretou uma ampla gama de políticas, incluindo a melhoria dos salários das pessoas de baixos rendimentos e pôs tetos aos salários dos executivos, mas não é provável que estas medidas realmente vão à raiz do problema. Uma questão fundamental que continua sem se resolver, por exemplo, é a falta de uma rede de segurança social e saúde eficaz que permita às pessoas de baixos rendimentos gastar mais em bens e serviços em vez de ter que poupar uma grande parte dos seus rendimentos, como é atualmente o caso.
Em última instância, no entanto, para que os salários possam crescer até níveis decentes na China será imprescindível desenvolver um sistema de negociação coletiva a nível de empresa que permita a diretores e trabalhadores negociar salários e condições de trabalho razoáveis, baseados na rentabilidade da empresa, na produtividade do trabalhador e no custo local da vida.
Artigo do China Labour Bulletin*. Tradução de inglês para espanhol de Enrique García para sinpermiso.info. Tradução de espanhol para português de Carlos Santos para esquerda.net
* China Labour Bulletin é uma organização de apoio ao movimento dos trabalhadores da China, com sede em Hong Kong desde 1994, que é dirigida por Han Dongfang, dirigente de la Federação Autónoma de Trabalhadores de Beijing, durante la revolta de Tiananmen en 1989 (www.clb.org.hk/en/)
Fonte: http://www.esquerda.net/artigo/os-sal%C3%A1rios-na-china/28694

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